Arquitetura das Prisões

por Luiz Alberto Mendes

 

O conceito “dignidade humana” é resultado da confluência de princípios e ideais que a humanidade construiu no tempo. Na Índia de Buda; China de Lao-Tsé e Confúcio; os profetas judeus e as primeiras comunidades cristãs já clamavam por uma igualdade radical entre os homens. A Revolução Francesa entendeu todas as conquistas anteriores como humanas e as incorporou ao patrimônio da espécie. Os pensadores socialistas iriam denunciar e exigir o respeito à dignidade humana como obrigação imperativa do Estado.

Cadeia era para escravos e prisioneiros de guerra. A idéia de prisão como a concebemos, é recente. As primeiras penitenciárias são do fim do século XVIII e início século IXX. Um avanço social gigantesco. As condenações até então eram de escravidão, mutilação, tortura até a morte, ou a forca. Ainda hoje há quem defenda tratamento desumano ao prisioneiro, como paga justa aos crimes cometidos. Tal atitude legitima torturas, castigos degradantes e humilhações desumanizantes.

Hoje, século depois, já se tem como certo que as idéias de prisão foram à falência. As consequências disso são os efeitos criminógenos que reproduzem. É na prisão que se estrutura o amadurecimento da cultura criminosa. A arquitetura prisional deixa claro que prisão não provém de um objetivo, uma idéia. Antes surge da necessidade de espaço para cumprimento de pena. E prossegue até hoje com raros avanços quanto à organização espacial. Os projetos sempre estiveram dissociados da realidade carcerária. É óbvio que o preso é obrigado a aceitar a parte punitiva da pena. Mas a aplicabilidade da lei esta em discordância com a outra parte: preparação do indivíduo para o retorno social. Os espaços arquitetônicos existentes não atendem a esse requisito fundamental.

A Lei das Execuções Criminais do país é uma das mais avançadas do mundo, tanto que ainda não conseguiram cumpri-la completamente. A arquitetura das prisões privilegia segurança e não tem a mínima preocupação com a parte de ressocialização do cliente. Fui libertado de uma “penitenciária compacta”, conceito novo de prisão. Tudo absurda e desumanamente compactado.

A finalidade formal do espaço arquitetônico chamado prisão é preparar o preso e abrigá-lo, isolando-o da sociedade, até que, após o cumprimento da pena, seja devolvido ao convívio social. Quando elabora um projeto arquitetônico, o profissional procura adequar seu projeto de construção pessoal às necessidades do seu empregador. Como o preso não pode ser configurado como usuário, o projeto lhe é imposto. O cliente não se apropria do espaço que lhe é destinado. O espaço fechado o mastiga, como uma máquina de engolir gente. Os projetos voltados ao controle e à punição são privilegiados (compactação dos espaços; exigüidade das oficinas de trabalho, guaritas, ausência de natureza, aço e cimento) em detrimento àqueles voltados à recuperação social (espaço físico escolar planejado, para visitação decente e oficinas de trabalho) por serem mais baratos e mais ao gosto da vingança social.

Os cientistas sociais contemporâneos concordam com o fato de que a pessoa presa é indivíduo e sua recuperação social só pode ser alcançada via tratamentos individuais. A estrutura arquitetônica das penitenciárias trabalha no sentido oposto. Busca homogeneizar o perfil da população carcerária, visando controle e segurança. Prisão não é relacionada ao contexto urbano. As pessoas de fora da prisão (o entorno, bairros circunvizinhos) jamais foram pensadas. Exemplo: as penitenciárias estão sendo construídas cada vez mais ao interior dos Estados. A infra-estrutura necessária para abrigar e apoiar a família do preso que vai visitá-lo e também paga impostos, não é pensada. Por conta disso, as cidades contempladas vetam judicialmente tais construções. Não querem contatos com os visitantes, temem a criminalização de suas cidades.

Por outro lado, há uma corrente que vê a municipalização do sistema penitenciário como única saída para a crise atual. Falam em pequenas unidades com cerca de 50 presos no máximo. O preso cumpriria pena próximo à família e comunidade, com maiores perspectivas de ser reinserido socialmente. À falta de melhores idéias, considero esta a mais interessante, caso o projeto arquitetônico de tais unidades seja discutido na comunidade dos municípios contemplados.

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Luiz Mendes

01/02/2015. 

  

                  

 

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