A vejo nua, dando passos ensaiados de esgrima, sentada no chão comendo gohan no potinho do jeito que ele gosta
Um mestre falando sobre outro: “Brasília, isolada em seu milagre humano, no meio do espaço brasileiro, é como uma imposição da suprema vontade criadora do homem. Daqui nos sentiremos dignos de voar aos planetas. Niemeyer é o ponto final de uma parábola que começa em Leonardo: a utilidade do pensamento construtivo: a criação como dever social: a satisfação espacial da inteligência”.
Isso é o Neruda falando sobre o Niemeyer. Li esse texto pela primeira vez num livro que encontrei numa estante desta casa, a casa no meio da montanha que essa mulher aqui construiu. Enquanto eu estava deitada na rede lendo, ela dormia. Ela tem ritmo de morcego e, se deixar, só acorda depois de meio-dia. É uma mulher pequena, talvez de um metro e cinquenta de altura, que fica toda vermelha quando bebe, prefere comer sobremesa do que jantar e não se incomoda se você dorme enquanto ela dirige (só me acorda quando chegamos a este mato). Ela sabe lutar esgrima, é o tipo de pessoa que cuida do fogo da churrasqueira e fez o banco no qual está sentada na foto ao lado.
Penso nela e penso no futuro dela. A vejo no futuro nua e sonolenta, dando passos ensaiados de esgrima, ela sentada de pernas cruzadas no chão, comendo gohan de potinho do jeito que ela gosta, fazendo aquarelas, ela chorando, ela debaixo da chuva, ela vivendo uma vida pensada e precisa.
Créditos
Imagem principal: Autumn Sonnichsen