Arduíno Colassanti

por Tom Cardoso
Trip #77

Conheça o italiano de olhos azuis-turquesa que desembarcou na Ipanema dos anos 50 hipnotizando a todos com seu estilo suave de surfar. E de viver.

Arduíno Colassanti faleceu no dia 22/02, aos 78 anos em Niterói, RJ. Releia perfil dessa figura lendária do cenário carioca na Trip #77.

Conheça Arduino Colasanti, um italiano de olhos azuis-turquesa que desembarcou na Ipanema dos anos 50 hipnotizando a todos com seu estilo suave de surfar. E de viver.

Um olhar masculino o descreveria simplesmente como um velho marinheiro de 63 anos, pele curtida de sal e sol, o brilho do mar refletindo-se nos olhos azuis, ensinando alguns garotos a mergulhar. Um olhar feminino observaria bem mais do que isso, principalmente se fosse o da escritora Ana Miranda, com quem o observado um dia se casou e teve um filho: "Um homem de imensa sabedoria, um guru. Generoso, culto, inteligente, um grande contador de histórias, desprendido, zen. Escolheu uma vida ligada ao mar para assim estar sempre rodeado de belas paisagens. Na água, ele parece o próprio Netuno."

O homem descrito é Arduino Colasanti - nome incomum herdado do avô -, figura lendária do cenário carioca dos anos 60 e 70: surf, mergulho, cinema, romances com algumas das mulheres mais desejadas da época. Não foi por pouca coisa que mereceu um elogioso verbete no livro Ela é Carioca, do jornalista e escritor Ruy Castro, que registra nomes e fatos que fizeram a glória de Ipanema, o mais famoso bairro do Rio de Janeiro. Modesto, não se reconheceu no texto: "Gostaria de ser esse Arduino!"

Menino do Rio
Ainda criança, Arduino saiu da Itália e veio morar no palacete do Parque Lage, Rio de Janeiro, com a família. Convivendo com a aristocracia e estudando em colégio interno, Arduino morria de vontade de se juntar aos garotos que pegavam onda em cima de uma enorme prancha oca, apelidada de DC3. Na praia de Ipanema, já adolescente, aprendeu a falar português, fez boas amizades e estendeu o seu domínio até o Arpoador. Ali se radicou. As pranchas de compensado já existiam, mas como no início da prática do esporte o surf era muito ligado à caça submarina e ao mergulho, o que se via era gente na praia de máscara, nadadeiras, fisga e uma tábua.

Quando o mar se agitava de verdade e as ondas iam arrebentar no portal do Arpoador, a molecada ficava ouriçada: certeza de que dali a pouco iria aparecer Paulo Preguiça, um cinegrafista da TV Rio. "Em cima de uma prancha quase quadrada (só a frente era arredondada) ele fazia manobras ousadas para a época. Foi o primeiro que vimos em pé sobre as ondas", lembra Arduino. 

Engenharia de fundo
Nos morros cariocas desde sempre rolou maconha. Os alunos das escolas da elite carioca iam passar as férias nos Estados Unidos e voltavam de lá com as novidades: maconha, cocaína, ácido. Arduino apreciou as mudanças e tinha tudo para ser um agente multiplicador, como se diz. E o foi. Só não aderiu à cocaína: "O barato que a gente buscava era outro, preferíamos os que abriam a cabeça. Vi muita gente boa sucumbir com cocaína, e o exemplo mais chocante foi o do Petit (link para Petit), um garoto saudável, bonito e alegre que eu vi crescer, inspirar Caetano Veloso na bela canção Menino do Rio e se suicidar aos 32 anos"

Ao fim dos anos 50, começaram os primeiros campeonatos, e o primeiro de todos foi ganho por Arduino - de forma desleal, ele confessa. Aproveitou a deficiente visibilidade dos jurados e empurrou seu principal adversário da prancha. Quem ligaria para isso se do júri faziam parte tantas garotas e se os olhos azuis de Arduino já provocavam tantos suspiros? Com a moda do surf, chegaram ao Brasil revistas estrangeiras especializadas no esporte com a exaltação da grande novidade: pranchas de fibra de vidro. 

Jovem, belo, culto e cheio de charme, Arduino não teve dificuldade em se tornar galã do cinema nacional. "Galã, não ator", como ele modestamente reconhece. Foram 33 filmes ao todo e alguns fizeram história como A Garota de Ipanema, de Leon Hirszmann, em que fazia o papel de um dos namorados da própria; ou no Como era gostoso o meu francês, de Nelson Pereira dos Santos, onde Arduino era o "francês" em questão. Viveu uma grande paixão com Leila Diniz, "a mulher mais interessante que passou por Ipanema neste século", garante.

om Sônia Braga, chegou a montar uma casa. Ela já fazia sucesso no programa infantil Vila Sésamo, da TV Globo, e quando terminava as gravações corria para Angra dos Reis ou Parati - onde estivesse Arduino com o seu barco-moradia.

Noé com Iemanjá
Transportando carga em um barco enorme com 12 tripulantes, Arduino viveu a sua grande experiência de vida. "Livrei-me da casca da burguesia, aquela coisa que faz com que as pessoas de certo status social fiquem todas parecidas no mundo inteiro."

O contato com o povo foi enriquecedor, mas nada fácil. O homem passou um ano comendo peixe e farinha todos os dias. Aos domingos, com esforço, conseguia um pouco de arroz. A vida no mar, além de lhe proporcionar o sustento, rendeu alguns episódios inesquecíveis. Como o que viveu quando decidiu, com um amigo, explorar navios naufragados a 40 milhas da costa de São Luís. A dupla encontrou três navios antigos com alguns metais nobres e um belo e enorme sino de bronze por meio do qual os marinheiros se comunicavam com a cabine de comando.

De volta ao Rio, instalou o sino junto a tantas outras lembranças de viagem e tratou de retomar suas atividades. Mas de repente tudo começou a dar errado: "Não acertava uma! Nem convites para atuar, nem mergulhar... Peguei umas doenças, estava numa fase braba mesmo. Alguém me indicou uma mulher que lia búzios e assim que ela jogou me perguntou: 'Vem cá, você tirou alguma coisa do mar?' Falei do sino e ela ordenou que o devolvesse imediatamente pois Iemanjá, a Rainha das Águas, estava furiosa comigo."

Com o vigor de quem só fez o que quis, Arduino Colasanti pode ser chamado de um homem realizado. Pai de quatro filhos, virou avô de um garoto há pouco mais de 6 meses. Mora numa casa modesta em Jurujuba, Niterói, mas suficiente para o que a família precisa. Trabalha no Iate Clube local ensinando mergulho e, em parceria com o amigo de muitos anos Roberto Faissal, produz vídeos e filmes subaquáticos, como o da bolha na vinheta da Globo e o comercial da Vésper, uma nova empresa de telefonia. Com as mulheres que agora são "ex", o relacionamento é digno de manual de boas maneiras - típico de um gentleman. Já o seu relacionamento com o mar, nunca foi tão maduro. Coisas de Arduino.

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