Apartheid verde-amarelo

por Henrique Goldman
Trip #215

Goldman: ”O Brasil, que antes só não era um país sério, hoje é também um país ridículo”

O Brasil, que antes só não era um país sério, hoje é também um país ridículo, com seus carros blindados, portas de seguranças duplas, babás vestidas de branco e burocracia de tipo soviético

É com jeito de apartheid que nossos prédios, pouco a pouco, instalaram portas de segurança duplas e nossos carros foram blindados, afastando cada vez mais os brasileiros dos brasileiros… É com jeito de casa-grande e senzala que as mães de Higienópolis levam as babás vestidas de branco (curiosamente como se fossem enfermeiras!) a festinhas infantis para tomar conta de seus filhos… É com jeito de burocracia soviética que exigem-se a toda hora CPF, RG e reconhecimento de firma… É com jeito de cu de bêbado que tantos horrores, grandes e pequenos, foram tomando conta do dia a dia do país sem que se percebesse que o Brasil, que antes só não era um país sério, hoje é também um país ridículo. Ridículo, raso e cada vez mais sem graça.

Mas existe – resiste – uma intensa ternura com o porteiro do prédio, para quem se dá um “oi” sinceramente carinhoso e com quem se quer desesperadamente comentar a respeito do último Santos X Corinthians, mesmo através do interfone e da câmera de segurança. E a mãe rica e frívola que veste a babá de branco é, ao mesmo tempo, minha amiga mais fiel, minha irmã querida, sensível, tolerante e generosa – talvez uma dedicada cirurgiã que já tenha salvo muitas vidas e uma pessoa muito mais virtuosa do que um colunista caga-regras.

Do mesmo horrível caldo de interações violentas, burocráticas e desumanas evade um amor que poderia abençoar a inteira raça humana e todas as espécies. Assim como perdemos o senso do ridículo também não percebemos a presença desse amor, que nos é essencial como o oxigênio que respiramos.

Volta a Londres
Depois de um mês no Brasil, estou hoje voltando para Londres, onde moro. Lá a atmosfera é certamente menos ridícula. Mas a quantidade de hipocrisia no ar é infinitamente maior. Lá a polícia não carrega armas – mas os ingleses ocupam o segundo lugar entre os maiores produtores de armamentos do mundo. Lá não se tem que reconhecer firma e dar RG e CPF a toda hora. Mas não para de chover.

Faço a mala querendo – desesperadamente e ao mesmo tempo – ficar para sempre e fugir agora.

*Henrique Goldman, 51, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles. Seu e-mail é hgoldman@trip.com.br

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