“Não se trata de suprimir o medo mas usá-lo para atingir a perfeição”, diz o alpinista solo Alex Honnold, escalou um paredão de pedra de quase mil metros de altura sem equipamentos de segurança
Vestindo calça, camiseta e tênis e portando apenas uma bolsinha com pó de giz (para aumentar a aderência das mãos), Alex Honnold se concentra para subir o imenso paredão de granito, sem olhar para baixo. Os únicos pontos de contato entre o alpinista e a parede são as mãos e os pés, que nem sempre podem ser usados ao mesmo tempo. Em alguns pontos, ele precisa sustentar o corpo com apenas alguns dedos até encontrar uma posição mais estável para continuar a subida. Essas cenas podem vistas em Free Solo (2018), dirigido por Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin, indicado ao prêmio de melhor documentário no Oscar - a cerimônia será realizada dia 24 de fevereiro - e venceu no dia 10 de fevereiro a mesma categoria no BAFTA, principal premiação do cinema britânico.
O filme, que será lançado no Brasil no canal da National Geographic, no dia 9 de março, narra a saga de Alex Honnold, 33 anos, que se tornou, em 2017, o primeiro a escalar o paredão El Capitan (a obsessão de gerações de alpinistas) sem nenhum tipo de corda, luva, paraquedas ou equipamento de segurança. Apelidado de “El Cap”, a formação rochosa de 910 metros de altura fica no Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia. O feito levou 3 horas e 56 minutos para ser concluído e marca um novo parâmetro do que se entende por perfeição dentro de uma prática esportiva.
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Havia apenas dois caminhos possíveis: o topo ou a morte. Alex garante que só conquistou seu objetivo porque tinha medo da segunda opção: "Se eu não estivesse preocupado em viver ou morrer, teria feito isso no primeiro dia e me poupado de anos de trabalho, mas eu definitivamente queria sobreviver", disse durante uma coletiva de imprensa realizada por telefone com jornalistas de vários países. Em uma das passagens do filme, ele reflete sobre a importância de trabalhar "através do medo". “Não se trata de suprimir o medo, mas de usá-lo para atingir a perfeição. Eu não quero cair e muito menos morrer, mas existe um tipo de satisfação em fazer algo bem feito. Faz bem sentir a perfeição, ainda que por um breve momento”, diz, em Free Solo.
A morte entre praticantes de escalada solo (modalidade sem cordas) é algo que assombra até os alpinistas mais experientes, como o norte-americano Tommy Caldwell, 40, que, em uma das passagens do filme, faz questão de alertar que perdeu cerca de 20 colegas que se aventuraram no esporte. Alex, que é ateu, encara o tema com certa naturalidade: “Temos apenas uma quantidade limitada de tempo na Terra e isso se relaciona com a forma como uso meu tempo e como escolho perseguir meus objetivos”, reflete.
Fase de testes
Foram oito anos de preparo físico e mental antes de decidir abandonar as cordas de segurança. Nesse período, Alex escalou o El Cap quase 50 vezes, estudando cada detalhe do paredão, marcando cada buraco onde poderia se apoiar, e anotando tudo num caderno. “Provavelmente, é o mesmo processo de um dançarino ou um ginasta decorando os passos. Você memoriza o fluxo do movimento”, explica. Ele mapeou os pontos mais difíceis, batizando-os com nomes carinhosos como “monster of width” (algo como monstro de largura, em português).
A equipe de filmagem de Free Solo foi composta por profissionais que também praticavam alpinismo e acompanharam o processo por dois anos, sem saber quando ele estaria preparado para a escalada final. “Eles realmente não sabiam se haveria um fim para esse filme”, conta o alpinista que, durante as gravações, chegou a debater se eles poderiam ou não filmar uma possível queda.
No começo do processo, eles discutiram se a presença da equipe poderia ser uma distração, afinal, não haveria margem para erro. Mas Alex conta que, com o tempo, se sentiu confortável para seguir escalando diante das câmeras. No fim, a parceria serviu de motivação: “Passei seis anos sonhando sozinho com o El Capitan antes de ter coragem de colocar meu esforço, tempo e trabalho nisso. O filme, na verdade, foi o que me motivou a começar, foi um trabalho de equipe”, explica.
Longe das câmeras e da agitação pré-Oscar, Alex leva uma vida simples, viajando em busca dos picos de escalada dentro de uma van, onde mora há uma década. É vegetariano, não bebe álcool ou cafeína e nem usa drogas. A paixão pela escalada começou quando ainda era criança. Aos 10 anos, passou a frequentar uma academia especializada que havia sido inaugurada em Sacramento (Califórnia), onde nasceu, e não demorou a disputar campeonatos. Aos 19, abandonou a faculdade de engenharia civil para se dedicar somente ao esporte.
Ele fez mais de cem escaladas como alpinista solo antes de enfrentar o El Capitan e relatou suas experiências mais marcantes no livro Alone On The Wall: Alex Honnold And The Ultimate Limits Of Adventure (2015), escrito em parceria com David Roberts, autor também de outros livros sobre alpinismo. Anos antes, em 2012, fundou a The Honnold Foundation, uma ONG que promove soluções para reduzir o impacto ambiental.
Alex ainda não sabe qual será o próximo desafio nas alturas e nem está com pressa para descobrir. “Eu tenho revivido a escalada [do El Captán] de novo e de novo todos os dias [por conta da divulgação do filme]. Honestamente, eu acho que preciso de um tempo para digerir toda a experiência", diz.
Créditos
Imagem principal: National Geographic/Jimmy Chin/Divulgação