Alessandro Matero

por Caio Ferretti
Trip #215

Conheça o Amendoim, um dos grandes nomes do stand up paddle no Brasil

Meu escritório é na raia. Ou no Havaí. Ou numa praia paulista mesmo. Alessandro Matero, o Amendoim, fez do seu lifestyle esportivo um trabalho – e virou nome forte quando o assunto é canoa havaiana ou stand up paddle

“Já esteve aqui antes?”, pergunta de cara Alessandro Matero. E continua: “Este aqui é o meu escritório. É onde bato cartão todos os dias. Tá bom, né?”, diz, sorrindo. Estamos em uma raia olímpica de São Paulo, um canal de água natural e limpa com mais de 2 quilômetros de extensão para a prática de esportes de remo. Apesar de estar bem ao lado da tumultuada avenida marginal do rio Pinheiros – apenas um muro separa os dois –, na raia, entre uma remada e outra, é fácil se desligar do caos urbano de São Paulo. E, nesse enorme espaço ao ar livre, Alessandro conseguiu montar seu “escritório” de trabalho. “Eu nunca quis estar daquele lado”, diz, apontando para os edifícios empresariais na outra margem da avenida.

Alessandro conseguiu respeitar suas vontades. Chegou aos 38 anos sem jamais precisar abandonar o life style ligado aos esportes. E só não foi parar “daquele lado”, como ele disse, por conta de um conselho que escutou quando se mudou para a Califórnia, aos 21 anos. Na época, Alessandro já era um atleta de triatlo com considerável histórico. Ainda não conhecia a Califórnia e resolveu participar de algumas provas por lá. A ideia era ficar só um mês e voltar. Mas... “Quando cheguei lá pensei: ‘O quê!? Vou morar aqui!’. Vim pro Brasil, vendi tudo e fui com a cara e a coragem.” Em pouco tempo conseguiu trabalho em uma oficina de bicicletas, outra de suas paixões. Foi aí que recebeu o tal conselho. “O meu gerente sempre falava: ‘Faça o que você gosta e faça bem-feito que o dinheiro aparece’.”

Não seria tão difícil para Alessandro seguir o conselho à risca. Naquela altura da vida ele já sabia bem do que gostava, já era atleta – e, de fato, o dinheiro sempre aparecia. Seu pai, um metalúrgico dono de serralheria, bem que havia tentado anos antes fazer com que Alessandro seguisse seus passos. Não teve sucesso. “Ele tinha uns 18 anos quando eu disse: ‘Vem ver se você não quer trabalhar comigo’. Eu queria que ele continuasse o negócio da família”, lembra o pai, Osvaldo. “Ele ficou um ano comigo, mas não era o que ele queria. Aí foi para a Califórnia e voltou do jeito que é hoje.” Osvaldo tem razão, a ida de seu filho para o exterior teve grande importância no que ele é hoje.

 

O pai tentou convencê-lo a assumir a metalúrgica. Hoje, fabrica remos da marca Matero


Os tempos nos Estados Unidos o levariam ao encontro de novos esportes que, mal sabia ele, se tornariam vícios e, de quebra, lhe renderiam uma profissão.

Em cima da havaiana

Estamos conversando na sombra de uma árvore à beira da raia quando uma mulher de aproximados 50 anos nos interrompe. Quer saber o que precisa fazer para remar ali também. Alessandro pede que ela aguarde um minuto, ele está justamente me contando como conheceu os esportes que o levaram até ali. Era o ano 2000 quando saiu da Califórnia rumo ao Havaí para trabalhar num Ironman, a superprova de triatlo. Durante a corrida, observou no mar umas canoas diferentes das que estava acostumado a ver no Brasil. Eram as canoas havaianas.

Dois anos depois Matero voltava ao Brasil. Trazia na bagagem um diploma de educação física e outro de administração, conquistados em universidades californianas, mas eram as tais canoas que ele tinha na cabeça. Aqui, soube que um amigo havia importado algumas que estavam deslizando sob as águas da raia paulistana, local que ele já frequentava. Seu lado empreendedor começaria a dar sinais de vida. “O clube que alugava as canoas havaianas faliu. Foi aí que meu lado empresarial estalou. Liguei para o dono delas e disse que queria comprá-las, mas não tinha o dinheiro. Ele fez em dez vezes de R$ 1.000. Comprei uma, depois outra, depois outra... Até ter quatro.” Já proprietário de sua frota de canoas, Alessandro alugou um horário na raia e passou a oferecer aulas de remada. Surgia o Clube de Canoagem Matero. E isso o levaria de volta ao Havaí.

Certa vez, durante uma de suas aulas, um endinheirado aluno pediu que Alessandro revelasse um de seus sonhos. “Eu disse que gostaria de fazer a travessia entre as ilhas havaianas de Molokai e Oahu”, lembra-se. “Ele falou: ‘Então nós vamos fazer. Eu banco essa brincadeira’.” Em 2007, Matero embarcava pela primeira vez para cruzar de canoa o canal entre as ilhas. De quebra, durante a viagem, ele ainda foi apresentado a outro esporte de remada que explodiria no mundo todo nos anos seguintes: o stand up paddle. Aí estava seu novo vício. Em pouco tempo, o stand up paddle já estava integrado às aulas do Clube de Canoagem Matero. As travessias entre Molokai e Oahu passariam a ser feitas também em cima do pranchão. E as idas ao Havaí ficaram mais frequentes.

Desde então, Alessandro vai anualmente às travessias. Permite-se deixar tudo em São Paulo para viajar por algumas semanas. Recentemente, ficou 45 dias por lá. “Este ano fiz meu melhor tempo de stand up paddle na travessia entre Molokai e Oahu”, ele diz, referindo-se aos 60 quilômetros percorridos em cinco horas e 11 minutos. “Esse canal tem uma energia impressionante. É uma energia boa, mas que também assusta.” Alessandro já cruzou oito vezes o Kaiwi Channel, que separa as duas ilhas. Tais travessias e as aulas na raia em São Paulo lhe renderam certa fama. E não só entre os remadores. “Ele é casca-grossa”, atesta o surfista de ondas grandes Carlos Burle. “Eu já tinha escutado sobre como remava bem e fui à raia conferir pessoalmente. Fiquei feliz de remar com ele, recebi umas dicas, aprendi um bocado de coisa.” E você já fez travessias também, Burle? “Não, não. As aventuras que faço já me satisfazem. É muita pedreira e eu não sou um remador excelente como ele.”

Amendoim de praia

“Alessandro?! Não conheço, não. Você está falando do Amendoim?” É assim que Osvaldo Matero, o pai, responde ao telefone quando digo que quero conversar sobre o tal personagem da minha matéria. Sua brincadeira faz sentido. Desde os 4 anos de idade seu filho atende pelo apelido. Explica-se: ainda pequeno o paulistano Alessandro costumava frequentar a praia de Santos, onde a família tinha casa. Como não tinha muito tamanho e estava sempre com a pele bronzeada, ganhou de um amigo a tal alcunha. Aliás, foram as idas constantes a Santos que o fizeram tomar gosto pelos esportes aquáticos desde a infância. Isso e o avô materno, que era nadador de águas abertas. “Ele foi a peça-chave dessa história toda, o grande culpado por eu estar no esporte aquático desde criança.”

Já o pai nunca teve muito contato com o esporte. Não até recentemente. Veja só a ironia. Antigamente Osvaldo tentara convencer Alessandro a trabalhar em sua serralheria. Não conseguiu. Muitos anos depois foi o filho quem fez o pai trocar de área. Há pouco, já aposentado, Osvaldo vendeu a empresa metalúrgica e passou para o lado esportivo. Agora ele fabrica os remos de madeira da marca Matero – e Amendoim diz que o pai está mais feliz. “Outro dia ele me disse: ‘A minha vida inteira eu produzi grades de ferro para as pessoas se protegerem. Hoje, fabrico algo que dá prazer às pessoas, não medo’. Meu pai entendeu o valor das coisas sem o cifrão na frente.”

 

O gerente o aconselhou: “faça o que você gosta e faça bem-feito que o dinheiro aparece”

 

Curiosamente, agora que o pai entrou no ramo esportivo, Alessandro dá os primeiros sinais de que pode se afastar disso. Este ano ele anunciou que não voltará a fazer a travessia entre Molokai e Oahu. “Demanda muita preparação. Tenho que ficar o mês inteiro fora, a família sente... Já não posso passar tanto tempo no Havaí. Tenho meus negócios no Brasil.” Quando fala em negócios, Alessandro se refere também à franquia do restaurante Mini Kalzone, do qual é sócio. “É por segurança. Infelizmente a vida como atleta e, ao mesmo tempo, professor é curta. Daqui uns anos não poderei dar o número de aulas que dou hoje”, lamenta.

Pensativo sobre o que o espera no futuro, Alessandro se silencia por um minuto. Lembra-se da frase que escutou certa vez de um aluno – o mesmo endinheirado que bancou sua primeira travessia no Havaí. “Ele disse: ‘Amendoim, você é meu amigo pobre mais rico que conheço’.” Ele aponta para quatro canoas havaianas e algumas pranchas ao lado. “Meu patrimônio é esse aí... e muita história pra contar. Acho que a vida é isso, não é ter mundos e fundos.” Seu olhar se volta novamente para os prédios empresariais na outra margem do rio Pinheiros. “É isso que as pessoas trabalhando ali do outro lado da avenida muitas vezes não conseguem enxergar, por mais perto que estejam da minha realidade. É isso que diferencia uma pessoa feliz de outra infeliz.”

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