por Antonio Gigio
Trip #224

Colamos nos ”três tenores” do Funk Ostentação: Guimê, Lon e Rodolfinho

Guimê trabalhava numa quintada; Lon era cabeleireiro e ganhava R$3,50 por corte. Hoje, estima-se, cada um tira cerca de R$500 mil por mês cantando sobre roupas, joias e carros - a vida que semprequiseram ter, e hoje têm. Trip colou neles e em Rodolfinho, os três principais nomes do Funk Ostentanção

MC Guimê chega para conversar com a Trip ostentando um look que ele considera humilde. A calça é da Osklen, “não foi mais que R$ 400”. O tênis Nike “custou barato, coisa de 600 conto”. O relógio saiu por “dois pau”. A corrente no pescoço é um dos modelos mais em conta de sua coleção: rendeu R$ 5 mil ao seu ourives oficial. “Mas tenho umas outras cordas [correntes] de R$ 20 mil, 30 mil numa maleta em casa. Tem MC que anda com joia banhada por aí. Eu não. Só uso ouro maciço”, gaba-se. De fato, o único metal no visual do rapaz que não reluz como ouro é o aparelho fixo que cobre seus dentes.

Sentado ao seu lado, está o amigo MC Lon. Sua “corda” também é “modesta”. “É que um dia eu estava com duas de 500 gramas cada uma, mais um Rolex de R$ 65 mil, e me roubaram a caminho de um show. Perdi 1 quilo de ouro de uma vez só. Mas não me abalo. Logo mais compro tudo de novo”, ele explica. Deve comprar mesmo. Lon diz que recebe entre R$10 mil e R$30 mil por apresentação. E são, em média, 50 por mês - 60% fica com ele; o restante, com a produtora que o empresaria. Apesar dele não revelar o valor final do salário, dá para estimar algo em torno de R$500 mil. Nada mal para o ex-cabeleireiro, que ganhava R$ 3,50 por corte. Tampouco para Guimê, antes funcionário de uma quitanda.

Estamos no Tatuapé, zona leste paulistana, no prédio da produtora Máximo, responsável pelo gerenciamento da carreira dos dois. Uma caminhonete Hyundai, modelo Santa Fe, encosta. De dentro dela, saem MC Rodolfinho, atrasado para a entrevista, e seu segurança, que conduzia o carro. Com a chegada, está completo o trio de MCs que mais se destaca no funk ostentação, gênero que adicionou o batidão do funk carioca a letras que versam sobre novinhas (mulheres com menos de 18 anos de idade), Camaros (automóvel esportivo fabricado pela Chevrolet) e Red Label (o uísque da Johnnie Walker).

A ideia não é exatamente nova. Desde o final da década de 90, o rap mainstream norte-americano privilegia rimas de elogio ao consumo em detrimento à crítica social – o rapper 50 Cent, por exemplo, produziu álbuns com títulos como Get Rich or Die Tryin (Fique rico ou morra tentando) e Power of the Dollar (Poder do dólar). Por aqui, o primeiro sucesso do funk ostentação foi a canção “Mégane”, do MC Boy do Charmes, lançada em junho de 2011. O nome faz referência ao carro – ou à “nave”, como diz a letra – da Renault.

A morte de Daleste

Muitos dos artistas do estilo nem sequer têm um álbum lançado. É no YouTube que as músicas são veiculadas, acompanhadas de clipes que invariavelmente seguem a mesma fórmula: bebidas, mulheres pouco vestidas, carros, motos e ouro, muito ouro. Dos dez vídeos mais assistidos por brasileiros no site, quatro são clipes de funk ostentação. “Plaque de 100” (plaquê são bolos de dinheiro), hit de MC Guimê, contava 29 milhões de visualizações até o fechamento desta edição; “Novinha vem que tem”, de MC Lon, batia a casa dos 25 milhões.

"Contando os plaque de 100/Dentro de um Citroën/Aí nóis convida, porque sabe que elas vêm/De transporte nóis tá bem, de Hornet ou 110, Kawasaky, Bandit, RR tem também" Plaque de 100, MC Guimê

Algumas letras destoam da temática-padrão do estilo. É o caso de “Papai e mamãe”, cantada por MC Lon, que segue assim: “Estudar, respeitar o papai e a mamãe para um futuro a eles dar/ A única coisa que eu desejo é futebol, ser igual ao Neymar”. Mas, na opinião dos MCs, a mensagem das músicas é sempre positiva. “A gente fala pro povo sonhar e realizar seus sonhos. Se você quer ter uma mansão, um tênis da hora, é só correr atrás que você consegue. Eu consegui”, acredita MC Lon.

Apesar de fazer a cabeça dos jovens brasileiros há pelo menos um ano e meio, o funk ostentação só virou pauta nacional no mês passado, mais exatamente no dia 7, quando MC Daleste, outro expoente do movimento, foi assassinado com dois tiros enquanto fazia um show em Campinas. Antes dele, cinco MCs, um DJ e um empresário também haviam tido suas vidas encerradas. Nenhum dos casos foi esclarecido pela polícia.

O boato que corre é que Daleste teria “se envolvido com a mulher errada”. Um crime passional, portanto. Na visão dos três, porém, os disparos foram motivados por “inveja, recalque”. Depois do ocorrido, Rodolfinho ficou com medo. “Nenhum show mais foi igual. Tô lá no palco e lembro do que aconteceu. Estou me sentindo vulnerável”, revela. Lon, que às vezes anda por aí com até cinco seguranças, também está cabreiro. E faz um apelo: “Muitas pessoas desejam a minha morte, então vou dar uma satisfação. Vocês podem ter total certeza que não sou envolvido com droga, crime, nada. Meu trampo é cantar. Sustento cinco irmãos, pai e mãe. Sou a pilastra da família. Tenho minha mulher, não fico pegando fã. Levo uma vida certa e honesta. Só faço o bem. Maldade nem com uma borboleta”.

Brother do Neymar

MC Guimê, Guilherme Dantas no RG, tem 20 anos de idade. Cresceu nas quebradas de Osasco, município paulista, sem a mãe, que abandonou a família cedo. Aos 15, já rimava. Frequentava os shows de MC Lon, que começou a chamá-lo para cantar. Depois, diz, ensinou ao amigo a arte da autopromoção: “Ele me ajudou a entrar no funk e eu ajudei ele a entrar na mídia”. Durante a entrevista, não desgrudou do iPhone 5 branco. Ele mesmo cuida de sua página no Facebook, seguida por mais de 500 mil fãs.

"De carrão, de Montona/O bagulho te impressiona/Ela brisa, ela olha, ela pisca, ela chora/Só pra andar de navona/Ai meu Deus como é bom ser vida loka" Como é bom ser vida loka, MC Rodolfinho

Começou cantando sobre a vida que queria viver. Hoje, canta sobre a vida que vive. Seu patrimônio inclui duas casas, dois apartamentos, dois carros e uma moto. Em coisa de um ano, tatuou o corpo quase inteiro. É brother do jogador Neymar. “Aconteceu de a gente colar legal. Me identifico com o estilo de vida e a ideologia dele. O pessoal critica nóis, mas, agora que a gente pode ter as coisas, a gente não vai ter? Batalhamos, merecemos isso que estamos vivendo”, diz. No momento, está solteiro. “Eu stalkeio [do verbo inglês stalk, significa investigar a vida de alguém nas redes sociais] as mina antes de ter qualquer coisa com elas. Vai que ela é ex de algum camarada, algum cara que está preso... Por exemplo: se eu viajo e minha mina apronta com alguém, eu ia quebrar a cara dos dois. Agora, imagina se pego a mina de um cara que tem essa mesma sintonia? Tem que ficar esperto.”

Já Airon de Lima, o Lon, é casado. “Já aconteceu de eu me envolver com outras minas. Mas não sou burro. Minha mulher é que tá comigo desde sempre. Ela gosta de mim, não do MC Lon. Isso não tem preço”, diz. O jovem de 22 anos nasceu na Vila do Sapo, comunidade carente na Baixada Santista. Cresceu sem o pai, que deixou ele e os cinco irmãos com a mãe.

Lon prefere investir a grana em bens em vez de torrar tudo na balada. Até agora, investiu bastante: tem um jet ski, três carros, um apartamento na praia, outro em São Paulo, cinco casas sendo construídas, oito prontas e um sítio, “graças a Deus”. “Não me arrependo de nada. Dinheiro está aí para gastar. Vou guardar para quê? Vai que acontece o que rolou com o Daleste...”, justifica. Em um show no Love Story, inferninho paulistano, o MC subiu no palco e jogou R$ 10 mil reais para a galera. “Acredita que os engravatados ficaram ofendidos? Gritaram que não precisavam de esmola.”

"Ganhou o nosso bonde de longe e se aproximou/Viu vinte Red Bull, whisky e Absolut/Nóis que é portador de malote/Qualquer balada somos área vip/Vem curtir nosso camarote" Novinha vem que tem, MC Lon

Com 19 anos, Rodolfo Martins, o Rodolfinho, é o caçula dos três. De Osasco, como Guimê, trabalhou de empacotador em supermercado e depois em uma loja de celular. O autor do sucesso “Como é bom ser vida loka” não tem reclamações da vida que o funk lhe proporciona. “Mudou tudo. As mina não dava bola, agora tão tudo correndo atrás. Elas gostam de coisa boa, de luxo, de dinheiro. A gente tem o que elas querem e elas têm o que a gente gosta”, diz, caindo na gargalhada.

Apesar de não entenderem muito bem por que o estilo que cantam foi chamado de funk ostentação (“Foi a mídia que deu esse nome”), não há dúvidas de que, na prática, os três jovens sabem ostentar muito bem. E não têm vergonha nenhuma de estar na contramão de um mundo que cada vez mais pensa em viver com menos, em compartilhar. Com a palavra, MC Lon: “A gente quer ostentar cada vez mais. Queremos chegar onde os gringos do rap chegaram. Nóis canta ostentação porque pode. É como se fosse a celebração de uma vitória”.

Créditos

Modelos Ana Carolina de Carvalho, Andréa Bondesan e Natália Lacerda Assistentes de Foto Cal Vasques e Cadu Maya

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