por Diogo Rodriguez

Ciro Pessoa lança disco e show novos em SP e diz porque prefere o rock dos anos 60 e 70

Ciro Pessoa sempre é lembrado por ter feito parte da formação original dos Titãs e ser autor de um dos maiores sucessos  do grupo, "Sonífera ilha". Se depender dele, a partir do lançamento de seu terceiro disco solo, Em dia com a rebeldia, passará a ser lembrado por resgatar a psicodelia dos baús coloridos dos anos 60 e trazê-la de volta ao mainstream.

Neste sábado (01/05), Ciro Pessoa (também ex-Cabine C) lança o novo álbum com um show repleto de referências ao surrealismo e à rock ácido de bandas como Mutantes e Pink Floyd. Cabeças de animais farão as vezes de luminárias, uma nuvem branca descerá no palco e não podia faltar um cover de Jimi Hendrix, onde a guitarra é substituída por uma cítara (Alberto Marsicano). Tudo bem à caráter. Na banda que o acompanha, Nú descendo a escada, os conhecidos músicos paulistanos Zé Mazzei e Flavio Cavichioli (ex-Forgotten Boys), o guitarrista Marco Lafico, a backing vocal Luciana Andrade, e o gaúcho Astronauta Pinguim nos teclados.

Por telefone, Ciro conversou com a Trip sobre o que pensa sobre os anos no rock, deu detalhes sobre o repertório do show e explica por que ignora todas as bandas brasileiras que vieram depois dos Mutantes.

Qual é a ideia do show?
O trabalho, Em dia com a rebeldia, é calcado em duas escolas, o psicodelismo e o surrealismo. É ao rock psicodélico que estou me referindo e também à iconografia psicodélica. Eu transferi para esse trabalho a poesia surrealista; na parte gráfica do disco tem citações de René Magritte, Salvador Dali, Joan Miró, dos grandes artistas plásticos surrealistas, principalmente do Dali. Na parte sonora tem  alusoões a Mutantes, Pink Floyd, os grandes ícones da psicodelia. O show vai seguir exatamente essa união entre psicodelia e surrealismo. Por exemplo, na sétima ou oitava música, uma nuvem cenográfica vai cair do céu, que vai encobrir a banda. É uma nuvem de cinco metros de largura e três de altura.

Feita do quê?
De algodão. Ela vai ficar na frente do palco. Vai começar uma projeção de filmes surrealistas e dadaístas. Tem um que o Salvador Dali dirigiu chamado Impressões da alta Mongólia, que é muito legal, tem umas imagens muito loucas, misturado com filmes do Man Ray. Ele filmou em 1920, são órbitas oculares girando no céu. No show, não vamos usar as luzes de cima porque cheguei á conclusão de que é um gesso estético usá-las. Usa-se por comodismo, preguiça mental, por falta de ambição estética. Consstruímos seis luminárias de três metros: uma com cabeça de ciclope, outra com cabeça de unicórnio, uma com a cabeça d eum peixe, uma planta carnívora. É desses elementos que sai a luz. Tem um sapo azul-violeta, a luz sai da boca. A luz vai estar em cima do baterista, do tecladista, do guitarrista. A iluminação principal vai ser a luz-bolha, que vai ser projetada no telão, foi muito usada nas décadas de 60 e 70 pelo Pink Floyd, pelos Mutantes. Quem vai projetar é o André Peticov, um artista psicodélico profundo conhecedor da psicodelia. Uma outra surpresa vai a gueixa psico-surrealista.

"Mutantes foi a última grande banda do Brasil. Eu ignoro todas as que vieram depois. É inadmissível colocar Legião Urbana ao lado dos Mutantes"

O que é isso?
Para música "Jardim das gueixas", que é da época do Cabine C, criamos o "vestido luminária psicodélico", um vestido tipo quimono de gueixa. Essa gueixa vai estar pintada e vai deslizar no fundo do palco; a cortina que dá para o fundo do palco, que abre para o Parque do Ibirapuera vai se abrir e ela desliza lentamente enquanto essa música é tocada.

Como será o repertório do show?
Serão as dozes do Em dia com a rebeldia, a "Third stone from the sun", do Jimi Hendrix, tocada com cítara, baixo, bateria e Hammond. O citarista Alberto Marsicano vai participar nessa e na "Jardim das gueixas". Tem uma música do Serge Gainsbourg que está no meu primeiro CD, "69 aneé érotique", que é uma releitura tão radical que fiz, que só restou o refrão. Fiz uma "transcriação": eu entendi o que ele quis dizer na letra e reescrevi tudo. Tem também uma do No meio da chuva eu grito help [2002], a "Boliche sideral".

Quanto tempo demorou para bolar o show?
Três anos.

Você acha que ainda há a possibilidade de ser original no rock?
Acho. O rock é uma linguagem em movimento, por isso está sujeita a experimentações, você pode atingir algo absolutamente inédito. Não acredito em estagnação da linguagem, que você evolua se apropriando de outras coisas; quando digo que me inspiro no Dali e no Pink Floyd, digo que eles me inspiraram a criar. Se você for ver o meu trabalho, é outra coisa, peguei aquilo tudo e inventei uma outra forma de traduzi-los. Há preguiça, falta de concentração, falta de ousadia e loucura. Esses três aspectos justificam esse rock pobre e safado de hoje em dia.

Que artistas você acha original hoje em dia?
No Myspace descobri bandas muito boas. Por exemplo, Supercordas. Tem uma banda nova de Recife chamada Canivetes, uma do Rio Grande do Norte chamada Bunnies que é muito legal, o Júpiter Maçã - inclusive o Astronauta Pingüim está tocando comigo no show. No exterior, a coisa mais legal que saiu foi o The valleys of Neptune, do Hendrix [risos]. Fora da música, tem um filme que é O imaginário do doutor Parnasse, vai sair no Brasil no fim de maio, e é um verdadeiro manifesto psico-surrealista. Chega uma hora em que ele junta uma capa do Floyd com um desenho do Dali, estão no mesmo plano. Eu já tinha gravado o disco quando vi esse filme, fiquei realmente pirado. A gente usou trechos de filme e material cenográfico que vão estar no show.

A psicodelia voltou a fazer sentido?
O rock segue um fluxo como se fosse um rio. Esse rio entrou por uns caminhos pantanosos no final dos anos 70, começo dos 80 com o punk e a indústria cultural atacando no pop rock. Essas duas passagens levaram a um afluente desse rio que está presente hoje, o eletro pop punk, essa coisa emo, tudo produto dessa época. Acho um equívoco do cacete. Meu disco não tem isso, não tem relação nenhuma com o punk-rock nem com o pop-rock dos anos 80. Pulei fora desse trecho do rio, continuei na parte caudalosa dele, que parou na época dos 70 no Brasil com os Mutantes, exatamente, que foi a última grande banda do Brasil. Eu ignoro todas as que vieram depois. É inadmissível colocar Legião Urbana ao lado dos Mutantes. Acho que tem muita gente pensando como eu.

"Os artistas hoje fazem arte como se estivessem na igreja, com medo de loucura ser pecado"

É por isso que as referências à psicodelia estão voltando?
Eu acho, é retomar o que o rock realmente é. Ele pode se prestar a ser um alto falante da política das reclamações sociais, ele se adapta muito bem à essa coisa massacrante da indústria, tudo bem, não tem problema. Ele é um camaleão. Mas eu que gosto de fato da linguagem, acho que foi uma perda de tempo, teria de se seguir pelos anos 70. Foi o que eu fiz: pulei dos anos 70 para 2010. Pega uma banda como o Pink Floyd ou o Cream. É muito difícil alcançar esse padrão de inventividade, de soltura, loucura. O rock tem que ter loucura, cara. A arte tem que ter loucura. Os artistas hoje fazem arte como se estivessem na igreja, com medo de loucura ser pecado. No show, na última música, a Luciana berra: "Não será por medo da loucura que arriaremos a bandeira da imaginação". Isso é manifesto surrealista, ela grita isso no meio da barulheira. Esse trabalho que estou fazendo é um elogio à loucura. Quando eu digo loucura não estou falando de debilidade mental, quero dizer quebra de parâmetros, ousadia, modificação de comportamento.

Quais é a diferença entre lançar um disco hoje e quando você começou, nos anos 80?
Completamente diferente, é impressionante. Qual é o diferencial? A internet. Desde dezembro estou no Myspace. Saí de 50 pessoas para 6 mil. No Reverbnation, no Facebook você pode trabalhar isso de uma tal forma que você acaba chegando no sue público sem precisar de gravadora. Isso é a grande diferença. As gravadoras tendem a ficar com um papel relativo, não preponderante. Há um tempo atrás, ser independente significava não encontrar o seu público. Agora, você encontra. Sei onde se localiza o meu público, a faixa etária. Mudou radicalmente. É uma incógnita para mim como vai ser o show em termos de público. Enviei 1800 flyers pelo Myspace, só para São Paulo. Nem contratando cinco divulgadores você distribui isso. Observei bandas no Myspace que têm público, não tocam em rádio ou TV e fazem show para mil, duas mil pessoas. Tem uma cidade no Rio Grande do Sul, Santa Maria, que tem muitas bandas psicodélicas. Essas bandas fazem festivais e reúnem cinco mil pessoas e você nem fica sabendo. Tem um público de música baseado na TV ainda, que de fato é maior, talvez 70%. Há dez anos, não tinha esses 30%, totalmente ligado à internet.

Vai lá: Ciro Pessoa no Auditório Ibirapuera

Quando: 01 de maio de 2010
Horário: sábado, às 21 horas
Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada)
Classificação Indicativa: Livre
Capacidade: 800 lugares
Endereço: Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portão 2 do Parque do Ibirapuera.
Informações: info@auditorioibirapuera.com.br
Informações: 3629-1014 - Priscila / 3629-1075 – Luciana
Site: www.auditorioibirapuera.com.br

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