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por Camila Eiroa

Um dos grupos de rap mais influentes do Brasil, volta aos palcos depois de dez anos. Em conversa com a Trip, eles falam sobre preconceito na música, ostentação e a marginalização do hip hop na mídia

Há dez anos afastados, o RZO acaba de voltar aos palcos com sua formação original e ingressos esgotados para shows em São Paulo. "A separação foi uma opção muito bem esclarecida no grupo, tudo foi dito. Não houve brigas. Mesmo separados, estávamos juntos", diz Sandrão, em entrevista exclusiva à Trip durante ensaio para os shows da nova turnê.

O som do grupo surgiu em Pirituba, zona oeste de São Paulo, em 1989. Com um retrato da realidade da periferia, foi um dos grandes nomes do hip hop em uma época que o movimento era muito marginalizado. A Rapaziada da Zona Oeste ajudou a revelar outros grandes nomes, como o até hoje insuperável Sabotage, descoberto em encontros do grupo.

MC Calado e Negra Li fizeram escola com o RZO e se tornaram membros oficias do grupo, ao lado de Helião, Sandrão e DJ Cia. Juntos lançaram quatro discos. O primeiro, O trem (1996), emplacou o hit "O Rap do Trem", uma denúncia do precário sistema ferroviário que serve a periferia. O último, Evolução é uma coisa (2003), marca o auge da carreira do grupo e também a pausa na carreira.

De lá pra cá, muita coisa rolou na vida de cada um deles. Helião foi se apresentar com os Racionais MC's e participou do disco solo de Negra Li, que além deste trabalho, lançou mais dois CDs, fez três filmes e o seriado Antônia, da Globo. Sandrão fez uma tour com Mr Catra pelos "morros do rio" e DJ Cia fez shows ao lado de Seu Jorge, Elza Soares e Caetano Veloso.

Algumas apresentações aconteceram durante a separação e mostraram a força que o nome do grupo ainda tinha para o rap nacional. "Foi por sermos cobrados nas ruas que percebemos a força que temos. A gente não enxergava isso", conta Cia, o maior responsável por botar pilha para o retorno do quinteto.

Mesmo a volta sendo um pedido dos antigos fãs, é possível perceber que muitos adolescentes, que tiveram acesso ao rap de uma outra maneira do que como era nos anos 90 e 2000, formam a plateia do show dos caras hoje. Sandrão atribui a responsabilidade disso aos rappers da nova geração, como Projota, Emicida e Criolo, que citam o grupo em suas letras. 

Já Negra Li, acredita que essa busca é porque "faltam rappers que têm uma linguagem como na década de 90, sobre consciência humana e de menos crime."

Hip-hop ostentação

A conversa caminha para o novo hip hop, que não se limita mais a questões sociais e por vezes têm letras sobre ostentação. Questiono ao grupo se eles acreditam que por esse motivo a mídia se mostra mais aberta para a cena do rap, que antes parecia muito mais excluído e limitado à quebrada.

"O fantoche da ostentação foi criado há muito tempo. Te vende um passado distante, lá dos faraós, que tinha um cara andando em cima de todo mundo cheio de corrente de ouro. Isso aumenta o consumo e um monte de gente é escravizada pra fazer aquela porcaria que depois vai virar uma lata velha. Enquanto os hospitais estão um lixo, todo mundo está com celular. Mas a condução aumentou e as pessoas estão quebrando as coisas na rua. E aí, do que o rap tem que falar?", reflete Sandrão.

Para Li, é costume da mídia deixar o rap feito por negros de lado, enquanto vangloria brancos que fazem o mesmo tipo de música com letras que não falam sobre a situação social da periferia. "Nas premiações, tem pessoas brancas que fazem rap ganhando prêmio, enquanto trabalhos muito melhores de negros estão sendo camuflados. Quando existe essa apropriação indevida da cultura é muito triste. O espaço não é igual para brancos e negros." 

Sandrão vai além: "O hip hop não é chamado pra passar na televisão. Eles pegam os jornais pra atirarem pedras no povo da periferia e pra falar das coisas ruins que estão acontecendo lá, nunca vão mostrar a cultura. É a manipulação que todos esses donos de televisão fazem."

Novo trabalho

Nesse retorno do grupo, eles estão trabalhando dois singles novos e querem manter o RZO como sempre foi, com letras que retratam a realidade das periferias sem deixar de olhar para frente. Eles prometem que não vão perder a essência e que o pensamento não é vender música, é mostrar para todo mundo o que vivem e sentem.

As duas primeiras apresentações de retorno aconteceram em São Paulo no dia seguinte ao desta entrevista. Os shows tiveram a participação de Karol Conká e Ice blue (Racionais MC's), e mostraram que o quinteto da zona oeste continua com a língua afiada.

Durante o show, que foi no palco do Sesc Pompeia, Sandrão lembrou de Cert, músico do ConeCrew Diretoria que foi preso por plantar maconha em casa, e alertou: "O dinheiro do tráfico deveria ser revertido para a educação, a proibição não proíbe nada!"

A cada hit do RZO, o público ia a loucura e cantava a plenos pulmões. Quando Negra Li entrou entoando Respeito é pra quem tem, famosa na voz de Sabotage, foi possível sentir na pele a importância que essa geração do rap tem para quem vive todo dia a luta que vem escrita nas rimas.

Que volta!

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