A narcose de ganhar

por Luiz Alberto Mendes

                  PERDAS E GANHOS

 

Muitas vezes tenho a convicção de que faremos absurdos, se nos for permitido. Somos insensatos dada nossa pouca lucidez. Tudo é muito além, muito acima de qualquer tentativa de entendermos. Percebemos uma pequena porcentagem do que realmente acontece em torno de nós. Não sabemos mesmo quase nada. Estamos restritos a nós, e quão pouco conhecemos de nós... Qualquer pesquisa demonstrará que vamos pouco, muito pouco além de nossas possibilidades. Nos permitimos, somos condescendentes e vivemos a nos absolver de nossas iniquidades.

Alguns escapam. E não são estes os que obterão sucesso social, necessariamente. A história não deixa dúvidas de que muito pelo contrário. Quase todas as exceções foram presas, massacradas, torturadas, e, antigamente, crucificadas ou envenenadas.

As coisas acontecem de modo a que tudo pareça flutuar ao acaso. Um caos que se organiza precariamente, cheio de pontas soltas e questões cruciais sem respostas definitivas. Mas se organiza efetivamente. O jogo é demonstração evidente desse caos organizado a que estamos atrelados. É o abstrato concretizando-se a partir da mente humana, reconstruindo o real ao acaso do jogo. 

Depois de décadas distante do convívio social por razões amplamente divulgadas, surpreendeu-me imensamente perceber o quanto as pessoas estão jogando. Há uma compulsão transformada em hábito, hoje normalíssimo.

Quase todo mundo joga. Na Loteria Esportiva, na “raspadinha”, na Loteria Federal, na quina, na megasena, na loto, nas muitas rifas (rifa-se tudo atualmente; desde carro a chinelo de praia.), nas inúmeras casas de Bingo esparramadas pelas cidades (apesar do fiasco governamental...), nos cassinos cada vez menos clandestinos (todo mundo sabe onde tem), nas maquininhas tão proibidas, nas apostas individuais, corridas de cavalos, cães e até de ratos.

Hoje as mesas de jogo do bicho estão em qualquer boteco ou birosca, sem qualquer preocupação. Ser bicheiro perdeu o glamour do contraventor perseguido pela lei. Hoje é um executivo, como outro qualquer. Os praticantes do crime são cada vez mais operários que qualquer outra coisa. Quase batem cartão.

É também na cara dos eleitores que se negociam as corrupções, sentenças, permissões, concessões e cargos entre aqueles que têm sobre seus ombros a responsabilidade de comandar os destinos da nação. Hoje temos todas as categorias dentro dos presídios. Juizes, promotores e pasmem; até políticos estão cumprindo pena atualmente. Responsáveis por escandalosos assaltos ao dinheiro público, venda de sentenças, trafico de drogas e assassinatos.

Mas, voltando, depois de conversar com os jogadores compulsivos (a maioria dos jogadores é; difícil é admitirem) que conheço, conclui que perdem muito e ganham pouco, sabem disso e pouco se importam. O prazer de ganhar é o que interessa. Parece que a intensidade do prazer de ganhar é maior ou menor, de acordo com a proporção das vezes que se perdeu.

Não fora assim, então como é que se explicaria as pessoas jogando nas loterias (as filas nas casas lotéricas dobram esquinas), no bicho, nas rifas, todos os dias e nunca ganhando? E insistem, ano após ano. De vez em quando dão uma “sorte” e ganha algumas poucas centenas de reais. Isso é estímulo suficiente para que joguem o resto da vida. O prêmio não é tão importante assim, já que comparando ao montante perdido, será sempre irrisório. Importante é a emoção de ganhar. De ser o ganhador, essa figura exponencial em nossa sociedade.

Há quem diga que o jogador se auto pune ao perder, não creio. Talvez a adrenalina do ato de conferir. Viver aquele momento único de coração suspenso na esperança de ser o ganhador, deve realmente mexer com a química humana.

Com certeza, as derrotas ficam no passado, para quem ganha. As vitórias e ganhos são o presente perseguido por dentro dos sonhos. Depois de tantas perdas (e todas perdas da vida ficam ai associadas), ganhar assume importância que transcende ao valor do ganho. O passado não existe mais; o presente é vida. Tudo é fundamental, mas apenas no presente.

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Luiz Mendes

em 27/01/2005

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