A Medicina e a Prisão

por Luiz Alberto Mendes

                     COINCIDÊNCIAS

 

Somos a somatória de tudo o que vivemos. Certo ou errado, tudo o que se vive é a argila que nos compõe.

Sofro de uma dor crônica há cerca de seis anos. Localiza-se na região abdominal. Atravessa ao fundo de minhas vísceras, cortando parte do prazer de viver.

 

Sei que sofrimento,

Filho do momento,

É castigo, é tormento

De quem não esta atento.

 

Sempre fui ótimo nisso de errar. Mas, dessa vez, não sou culpado. Foram décadas da péssima ração fornecida a seres humanos aprisionados. Torturas e espancamentos. Greves de fome, rebeliões e viagens prolongadas em cofres de aço. Neuroses, tristezas e raiva, muita raiva.

A sociedade tinha direito de se proteger. Eu tinha o dever de sobreviver. Nesse embate furioso, era de se prever que algo saísse errado. Ninguém sobrevive ao que vivi gratuitamente. Há um preço. Eu, por exemplo, não conseguia me levar a uma consulta médica.

Na prisão fui pessimamente atendido. Os médicos sequer olhavam para o rosto da gente. Perguntavam sobre o problema e já receitavam “roda de jipe”. Um comprimido enorme que servia para tudo. Desde dor no pé, à gripe e dor de cabeça. 

Tempos bicudos. O preso era a vítima preferencial. Não havia ninguém por nós. Claro, havia exceções. Grandes médicos deixaram marcas de suas pegadas feitas de humanidade. Mas, na mente restou o trauma.

Meu caminho sempre atravessava espaços bloqueados. Passei anos me espremendo de dor, sem coragem para enfrentar um médico novamente. Minha sobrinha conseguiu me demover. Sua argumentação consistente me levou a ponderar. Quis vencer mais esse obstáculo. Mas no dia, quase consegui escapar. Ela me cercou. Entrou comigo e participou da consulta. Com certeza sairia fora não fosse sua vigilância.  

Contei tudo ao Doutor. Inclusive sobre o trauma. Incrível, mas viver é ser surpreendido a todo instante. Após o relato, o homem afirmou que era médico do sistema prisional do Estado há mais de uma década.  E confirmou o que eu dissera. O atendimento era péssimo mesmo. Mas estava mudando. Contou-me, que o atendimento médico nas prisões estava sendo terceirizado. Acredita que somente assim poderá haver um maior controle sobre a qualidade desse atendimento.

Tenho estado melhor com os remédios e os conselhos alimentares por ele receitados. Coincidência demais, não é?

                                          **

Luiz Mendes

05/05/2011.  

fechar