Injustiça x Violência
Outro dia escrevi algo que depois fiquei pensando e vire e mexe o pensamento me volta, acho que é porque não consigo segurança nele. Afirmei que 'enquanto houver injustiça, haverá violência'. A violência seria filha da injustiça, então? Só há violência quando aconteceu injustiça? A ignorância também pode ser causa de violência. Mas a ignorância não é uma injustiça? Ou não? As perguntas foram se acumulando sem que eu encontrasse respostas adequadas.
A violência tem a ver com a conexão que ainda temos com nossa animalidade? Porque ainda somos animais mamíferos, embora pensantes e portanto, humanos. Temos capacidade de nos defender, nascemos com agressividade como todos os animais. Mas a violência, segundo a antropologia cultural, é produto da cultura. Aprendemos, culturalmente, a utilizar nossa agressividade natural para criarmos a violência.
A proporção de psicopatas e psicóticos na população também é bastante elevada. Os "serial killers"; aqueles malucos que saem matando indiscriminadamente nas escolas dos Estados Unidos; o "nosso" Matheus que metralhou o povo no cinema do shopping. José Pais Bezerra, que viajou matando mulheres do sul até o nordeste; esses jovens da classe A que assassinam os pais dormindo pela herança; e outros em todos os lugares do planeta. Na Suécia, é bem verdade, eles estão acabando com quatro prisões por falta de presos, o que nos faz deduzir que diminui a violência. É um povo com uma cultura antiga, refinada e que aplica boa parte da renda do país em educação. Mas vejam que contradição: é por lá que temos o maior índice de suicídios no planeta. Quer violência maior que matar a si próprio? O suicídio não é o extremo da violência? Jamais consegui ser tão violento assim. Mas eu já conheci pessoas que se suicidaram ao se perceberem violentos e nefastos. A consciência é uma arma fria.
Caso a violência tenha raízes somente na injustiça; justiça e injustiça também não são produtos culturais? Questionável porque parece que é da condição humana aprender via erros e acertos. Errar é humano, não é? A violência é um erro? Sim para quem a exerce contra os outros. Mas e quando a exercemos para nos defender, continua sendo um erro? Devemos, então, deixar que nos assassinem, passivamente e sem reação? Algo como que grita com toda força dentro da gente: não! Somos forçados pela nossa própria natureza a sobreviver. É questionável, às vezes, se o sobrevivente é um herói ou um covarde. Morrer, muitas vezes, é mais honroso. Sobreviver a todo custo é produto da cultura ocidental.
O grande dramaturgo alemão Bertold Brecht afirmou: "Temamos menos a morte e mais a vida insuficiente". A dor é suportável, se não for, a morte será um alívio; fui obrigado a pensar assim. Não foi lutando violentamente que sobrevivi a 31 anos e 10 meses de prisão. Foi mais desistindo de lutas que não me levariam a nada. E, principalmente, aceitando a morte como um fato irreversível que podia acontecer a qualquer momento, sem me desesperar e fazer loucuras. A calma e a tranquilidade diante das pressões são quase tudo para encontrar alternativas e escapatórias. Muitas vezes foi preciso morrer para coisas menores para sobreviver com as melhores. Eu e meus companheiros de delitos fomos condenados a cumprir o mesmo tempo de pena. Um deles se suicidou e os outros dois ficaram lesados; um virou mendigo e o outro ficou abobalhado. Eles viveram para o que havia na prisão; futebol, drogas e conversa fiada sobre a vida dos outros. Tivemos as mesmas oportunidades, mas eles não despertaram para a leitura, para o conhecimento, para o esforço de ultrapassagem. Por quê? Vai saber... Uma coisa garanto: não sou melhor que ninguém, até muito pelo contrário.
A honra, a moral e a ética, são aprendizados mais finos que, quando adquiridos, questionam a validade da existência sem eles. um homem educado procede de uma maneira que todos nós admiramos. É o grande herói da cultura ocidental, quase um mito. Cavalheiro, gentil, corajoso, generoso, inteligente, sensível, empreendedor e mais um monte de qualidades que compõe nosso ideal de ser. Mas, a violência nasce da injustiça ou não? Tenho que pensar muito nisso até concluir melhor, por enquanto me parece que sim, mas não sinto firmeza em minha escolha.
**
Luiz Mendes
06/04/2014.