O HIPÓCRITA
O que escrevo não é ocupação de espaço com expressões vazias de substância. Procuro trazer algo que possa conflitar ou confrontar. Gosto de discutir o que afeta, que causa transtorno ou mal estar. É nesse terreno que descubro fertilidade e planto minhas idéias.
Há algum tempo atrás, fui levado aos estúdios da TV Bandeirantes, sem saber qual seria a atuação. No palco, fui sentado ao lado de polemistas, como Rafael do grupo Polegar. Em frente, sentaram-se policiais e o Delegado André Di Rissio, então Presidente da Associação dos Delegados de Polícia de São Paulo. Pretendia-se debate, mas não passou de triste comédia. O tema tinha a ver com violência, mas com egos daquele tamanho, descambou para o pessoal. Como diversão deve ter sido prato cheio, quase um reality show.
Fiquei mais calado, observando. Não fazia muito tempo que saíra da prisão. Ainda lutava contra a insegurança quando me soltavam o microfone nas mãos. Não lembro bem o que disse quando a palavra me foi dada. Mas tinha a ver com o fato de eu haver pagado, e com juros altos, pelo mal que fizera. Com certeza 31 anos e 10 meses, não são apenas anos; falando sério, são décadas.
Esse “delegado” levantou-se e me agrediu com palavras. Para ele era pouco porque, em um tiroteio em que fui protagonista, um guarda foi morto. Claramente defendia sua posição como presidente da associação dos delegados. Não se importava de fato com o guarda que havia sido morto ou com a família deste. Este é um assunto extremamente delicado para mim, mas enfrento e assumo minha responsabilidade. Talvez nem uma vida inteira na prisão pagasse por uma vida assim brutalmente arrancada. Mas quem já ficou um dia só preso imagina o que são mais de 30 anos, e respeita. Sou culpado e não engano a ninguém quanto a isso. Em parte ainda estou pagando; até a morte serei descriminado como ex-presidiário.
Dias depois desse insólido “debate”, esse delegado foi preso por participar de esquema de contrabando, corrupção e aliciamento. Não acreditei que aquele rapaz tão inflexível, exigente e impiedoso estivesse tão desencaminhado. Hoje ele foi condenado a 23 anos de prisão. Na sentença os motivos são expostos: ele desenvolvia gestões para corromper seus próprios colegas da policia. A sentença foi elevada pelo “sensível prejuízo à credibilidade da Polícia e da Justiça”, segundo o Juiz.
Não, não me sinto vingado. Estou mais para perplexo ao lembrar a paixão com que ele me condenava em público, defendendo a lei, a moral e sua classe trabalhista. Esse é um dos mais autênticos hipócritas que tive o desprazer de conhecer pessoalmente.
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Luiz Mendes
28/04/2010.