O retratista carioca tem feito do isolamento e do hábito de conversar pelo celular um novo trabalho, em que retrata remotamente seus amigos
Quem nunca tirou um print de tela, em uma conversa com um amigo ou um familiar? Nada de novo, guardar lembranças é dos instintos mais humanos. Mas fazer um retrato profissional de alguém sem estar no mesmo ambiente que essa pessoa parece uma ideia um pouco mais difícil. Ou não.
Jorge Bispo, ou só Bispo, como assina seus trabalhos, um renomado retratista, tem transformado o isolamento e o hábito de conversar por chamada de vídeo no celular em um novo trabalho, em que retrata amigos e parceiros de trabalho mais próximos, os dirigindo remotamente. "Eu peço para, no início da ligação, as pessoas me mostrarem o ambiente, onde ficariam confortáveis em fotografar, porque é a casa das pessoas", conta. "Depois, dirijo a pessoa no retrato propriamente dito, só por voz, porque eu fotografo com a câmera principal, não com a de selfie. Então, a pessoa não está nem se vendo, nem me vendo, ela só ouve a minha voz."
Ele tem mostrado o resultado em seu Instagram e conta para a Trip como tem sido fazer retratos à distância.
Trip. Como surgiu a ideia de fazer esses retratos à distância?
Jorge Bispo. Surgiu naturalmente, por causa do distanciamento e por ter um irmão que mora fora do país. Tenho o hábito de falar com ele e com amigos por Facetime e, eventualmente, eu printava uma tela para guardar, ou tirava uma foto, no caso do Facetime, que tem um botão de disparo de foto. Era muito mais como recordação, uma lembrança, uma coisa natural. Quando começou essa questão de termos que ficar dentro de casa, por conta da Covid-19, eu já fazia isso naturalmente e continuei fazendo. Agora, porque tenho falado com mais frequência pelo Facetime com outras pessoas, com meus amigos mais próximos, já que não estamos nos encontrando pessoalmente, eu fazia meus prints de tela e, quando percebi, estava naturalmente dirigindo a pessoa e pensando naquilo como um retrato, direcionava a luz... Comecei a fazer e achei interessante, muito mais como terapia do que qualquer outra coisa, para, além de guardar uma lembrança desse momento, também ter algum contato com minha profissão. Como entretenimento mesmo, como diversão e de modo terapêutico também. Foi assim, foi bem natural.
É sempre pelo Facetime? Com quem tem um iPhone, eu faço por Facetime, porque na plataforma tem a resolução um pouco melhor e tem esse disparador de foto, em que você só registra a tela do outro lado, não sai o quadradinho com a ligação, é como se fosse uma foto apenas da câmera do outro celular. A maior parte eu fiz assim. Com algumas poucas exceções, que tinham Android, eu fiz por WhatsApp mesmo, só que, nesse caso, depois tenho que dar corte ou apagar a janela da imagem.
Como é o processo de seleção das pessoas, são todos amigos próximos? Como em nenhum momento eu considerei isso como um trabalho, era uma coisa natural, então, no início, eram mais amigos ou parceiros de trabalho mais próximos. Mas, quando comecei a postar, o que aconteceu é que algumas pessoas começaram a pedir ou comentar, e aí, eventualmente, eu falava: "Ah, vamos fazer um seu". Então, não tem uma seleção por motivo de trabalho. É uma seleção mais afetiva e de interesse, por perceber que a pessoa gostou da ideia. Ficou bem focado em amigos e parceiros de trabalho, pessoas de quem já tinho o contato. Foi mais nesse sentido, do que estético ou por personagem. Não teve um corte ou algo pensado, como é em um trabalho.
Como você faz para dirigir as pessoas, os enquadramentos? Eu peço para, no início da ligação, as pessoas me mostrarem o ambiente, onde ficariam confortáveis em fotografar, porque é a casa das pessoas. Então, a primeira coisa é ver o espaço, onde tem luz, onde tem janela, onde a pessoa quer ser fotografada. Então, pela câmera, eu escolho um local e, depois, escolho o enquadramento. A gente usa umas gambiarras – as pessoas apoiam o celular em livros, encostam numa mesa, na janela – e vou achando o enquadramento e dirigindo a pessoa para posicionar o celular no lugar certo. Depois, dirijo a pessoa no retrato propriamente dito, só por voz, porque eu fotografo com a câmera principal, não com a de selfie. Então, a pessoa não está nem se vendo, nem me vendo, ela só ouve a minha voz.
Tem alguma direção em relação às locações? Como temos muita limitação técnica, a escolha da locação é uma mistura de boa luz e bom sinal de internet, para que a gente tenha uma boa resolução. Esses dois ítens ficam na frente, tenho que achar um bom enquadramento, um bom local, mas ele, de preferência, tem que estar próximo do modem e perto de uma janela, com uma luz boa.
Quantas pessoas você já fotografou? Com que frequência tem feito esses retratos? Fotografei 32 pessoas até agora, teve dia que fiz 3, outras 1, 4, nenhuma... Vou fazendo isso enquanto estiver em casa e for divertido, sem nenhuma obrigação. Isso é mais importante: enquanto estiver me dando prazer e fazendo bem para as pessoas, vou fazendo, em um ritmo natural. Não tenho uma meta, nada disso.
Esse trabalho se encerra com o fim do isolamento? Como não consigo pensar nele como um trabalho, acho que só vou pensar nisso quando conseguir olhar de fora. Por enquanto, é um trabalho em que estou diretamente envolvido porque tem muito a ver com a situação do momento. Mas não consigo ainda ter um distanciamento para entender se vou fazer alguma coisa, se depois vou intelectualizar e pensar em cima dele para produzir alguma coisa. Por enquanto, é mais um work in progress, algo que vou fazendo e mostrando, do que um trabalho pensado, conceituado. Vou só fazendo. Talvez depois, daqui uns meses, quando tudo isso melhorar, vou poder me debruçar um pouco e pensar sobre isso de maneira mais racional.
Créditos
Imagem principal: Bispo