Por que as novas tecnologias tomam nosso tempo em vez de liberá-lo?

Caro Paulo,

Acho que estamos usando mal as novas tecnologias de comunicação.

Nunca tive tanto tempo na minha vida e nunca me faltou tanto tempo para fazer tudo de que eu gostaria e precisaria. Explico: as novas tecnologias aceleraram todos os processos de tal maneira que a vida está acontecendo na metade do tempo. Devia então sobrar a outra metade para eu fazer outras coisas como, por exemplo, nada. Mas a realidade não é essa.

Quanto mais as novas tecnologias facilitam e agilizam os processos, mais nossas agendas se enchem de compromissos como se não houvesse um limite. E, do jeito que colocam, de fato não tem. A expressão 24-7 é exatamente o retrato de uma vida sem intervalos: no ar 24 horas, 7 dias por semana. É como se estivéssemos competindo contra o relógio, tentando fazer caber dentro de uma hora o máximo de atividades possível. Não era esse o combinado.

A idéia das novas tecnologias era diminuir distâncias e acelerar processos, humanizar as relações, para sobrar tempo para jogar conversa fora, curtir a qualidade do tempo e não cuidar apenas da quantidade de tempo colocada na tarefa. Mas não. Planejamos nossas agendas em minutos e nos orgulhamos de cumpri-la como meninos obedientes que aceitam docilmente a lição de casa que a professora passou. No lugar de ganhar largueza para nossa vida se espalhar gostosa e calma, estamos comprimindo nossa vida em momentos cada vez menores. Fico imaginando por que isso acontece.

Outra produtividade

Talvez porque não mudamos nossa mentalidade sobre produtividade: uma coisa é buscar um tipo de produtividade de homens trabalhando em máquinas com as mãos, como na Sociedade Industrial; outra coisa é a nova produtividade de homens que trabalham o conhecimento com suas cabeças, como na Sociedade do Conhecimento.

Na Sociedade Industrial, as máquinas reinavam absolutas e o relógio era o paradigma da perfeição com seu comportamento preciso e previsível. Na Sociedade do Conhecimento, a tecnologia libera a humanidade das máquinas, humaniza os homens e lança o desafio: precisamos aprender a nos comportar como seres humanos e não mais como máquinas.

"O corpo humano é uma máquina perfeita." "Aquela mulher é um avião!" "Minha empresa funciona como um relógio." Usar as referências mecânicas para julgar o que é eficiente e belo deu certo na Sociedade Industrial. Mas na Sociedade do Conhecimento dá errado, é um atraso, um empobrecimento, um equívoco que pode custar a nossa eficiência, nosso sucesso, nossa felicidade, pessoal e social. A produtividade de máquinas não é medida para a produtividade do ser humano. As semanas com menos horas de trabalho são a evolução.

Precisamos ficar alertas. O educador e humanista Paulo Freire uma vez disse que "o homem é maior que sua agenda". Precisamos assumir essa dimensão para fazer o uso correto da tecnologia de comunicação. Caso contrário, seremos escravizados por um sistema tão preciso e eficiente que não deixa espaço para a vida e para o acaso. Ah... o acaso!

Que delícia perder um avião! Uma reunião cancelada na última hora! Um tempo que você ganha para gastar à toa, para se largar num parque, num cinema, numa livraria, num shopping, deixando a vida te levar para onde ela quiser. Por falar nisso, você desmarcou nosso último encontro e a gente acabou não se vendo desde o ano passado. Precisamos remarcar.

Termino aqui porque estou em cima da hora para entregar a coluna.

Me liga. Abraço,

Ricardo.

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