Médico ao contrário

por Anita Pompeu

Danilo Zampronio é um dos fundadores da Lotan, uma startup de biotecnologia focada em agricultura, que desenvolve pesticidas sustentáveis, com zero impacto ambiental

Você já pensou em desistir? “Todo dia!”, Danilo Zampronio responde rapidamente. “Esse é o conflito diário, porque o que a gente faz tem pouca gente fazendo no Brasil. Essa situação de pioneirismo traz angústia, dúvida. Não temos respostas prontas pra nada, são muitas incertezas e riscos.” O que Danilo faz quase ninguém faz. E do jeito que ele faz ninguém nunca fez no Brasil.

O paulistano é físico biomolecular e um dos fundadores da Lotan, startup incubada no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen-USP), que fundou há dois anos com quatro amigos que conheceu no Synbio. O grupo autônomo é formado por alunos pesquisadores de diferentes áreas que se juntam para “discutir biotecnologia de forma indisciplinada, despojada e democrática”. Juntos, criaram uma empresa de pesquisa de biotecnologia focada em agricultura e que desenvolve pesticidas sustentáveis, com zero impacto ambiental, alta eficiência e sem toxicidade aos seres humanos e outros organismos. A forma como fazem isso é por meio de uma tecnologia pioneira no uso na agricultura, chamada RNA de interferência.

Pausa para contextualizar: criada em 2010, essa tecnologia foi desenvolvida para ser empregada em pesquisas genéticas e foi usada primeiro pela medicina. “A gente é tipo um médico do avesso. Pesquisamos o que o fungo precisa para sobreviver, identificando o RNA essencial para a continuidade dessa praga. E desenvolvemos um RNA muito específico que o destrua – e só ele. Esse é o diferencial.”

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Pés no chão

No laboratório da Lotan, Danilo conta que o foco de atuação da empresa surgiu da consciência da realidade social do país (“Consumimos um quinto de todos os pesticidas químicos produzidos no planeta”), da convicção de que a pesquisa no Brasil tem que ser mais valorizada e da frustração de ver o buraco negro que separa teoria e prática na carreira acadêmica.

“Quando estava na faculdade e depois no mestrado [do qual desistiu na metade], entendi que há três cenários para quem vai seguir a carreira acadêmica aqui: produzir conhecimento pelo conhecimento, se tornar professor e, com isso, ensinar pessoas a repetir esse ciclo vicioso, ou sair para trabalhar com pesquisa em empresas no exterior”, diz. “Para a gente é muito importante ser uma empresa brasileira, que atua no país para resolver problemas do Brasil.”

Essa ciência a que Danilo se refere é pé no chão. Ela nunca deveria perder de vista um tripé de perguntas simples, mas essenciais: por que, para quem e para que estamos fazendo essa pesquisa? “Esse descolamento da ciência com os propósitos políticos está errado”, afirma. “Isso não tem que estar separado, é uma coisa só. O que a gente tem que fazer é ir para a rua, falar com as pessoas que sofrem com determinado problema que precisa de solução e entender com elas o que precisa ser pesquisado de fato.”

Aos 26 anos, o paulistano de olhos e traços que misturam Japão, Itália e Brasil, é filho de um pai empreendedor e uma mãe que abandonou a carreira no mercado financeiro para estudar Letras e abrir uma escola de idiomas. Tem no currículo o colégio Santa Cruz (São Paulo) e a USP de São Carlos, além de uma coleção de perrengues que vêm da luta por tentar praticar a ciência. “Sem dinheiro para ter onde ficar, chegamos a dormir no chão de Harvard quando fomos participar da Biomolecular Design Competition [Biomod]”, conta.

“Mas com esse nosso jeito todo indisciplinado de fazer as coisas, custe o que custar, no final dá tudo certo e a gente chora quando percebe que o nosso projeto ficou em terceiro lugar, em Boston, em uma apresentação para os caras que simplesmente inventaram aquela tecnologia”, diz. “É por isso que digo que vencer em grupo é mais bonito. Sofre todo mundo junto, supera todo mundo junto. Isso marca para sempre, e realmente me emociona muito.”

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A entrevista acaba, o gravador é desligado, mas a conversa segue naturalmente. Mesmo falando de nanotecnologia a leigos, o que Danilo diz faz sentido, é compreensível, urgente e interessante. Conversávamos sobre transgênicos, patentes, falta de representatividade, de lideranças, até que surge o inevitável. A curiosidade vence algum constrangimento de uma resposta atravessada que pode vir, e a pergunta sai. “Sim, claro que já pensei em ir para a política, me sinto na obrigação!”, diz. “Essa nova geração de que faço parte precisa assumir a responsabilidade de lutar por aquilo que sonha e em que acredita.”

Créditos

Imagem principal: Mario Ladeira

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