Bibliotecas construídas onde antes eram o presídio do Carandiru e um lixão em São Paulo têm como missão ocupar espaços com cultura e diversidade
Quando a gente pensa em biblioteca pública, a primeira imagem que vem à cabeça é a de um corredor escuro, com prateleiras de madeira e livros empoeirados. Certo? Errado! A verdade é que esse modelo ficou para trás. No Brasil já existem projetos que buscam cada dia mais incentivar a leitura e a união de pessoas em espaços pensados para que isso aconteça da melhor maneira.
A SP Leituras — Organização Social de Cultura é um grande exemplo disso. A organização é responsável pela biblioteca de São Paulo e pela Biblioteca Parque Villa-Lobos, ambas construídas na cidade de São Paulo, em espaços antes excluídos pela população, e que foram ocupados por um presídio e um lixão, respectivamente. Segundo Pierre André Ruprecht, diretor executivo da SP Leituras, para romper com essas barreiras é importante se questionar sobre qual é o papel das bibliotecas públicas contemporâneas.
"As pessoas precisam entrar na biblioteca e sentir que ela é um refúgio, um lugar para ficar, discutir e criar. A gente gosta de pensar que ali é um pouco sala de estar, um pouco cozinha, aquele lugar que a gente vai para preparar coisas", acredita o diretor. Para ele, a leitura oferece às pessoas a oportunidade de experienciar a diversidade; por isso as bibliotecas devem possibilitar o contato não só com a leitura, mas com outras pessoas.
"Estávamos discutindo com todas as bibliotecas públicas qual seria o nosso papel. Disso surgiram a Biblioteca de São Paulo e a Biblioteca Parque Villa-Lobos, para funcionarem como dois campos de experiência. Elas são verdadeiros playgrounds da cultura e da leitura. São lugares para as pessoas se sentirem bem, com liberdade", conta Pierre.
Nas duas unidades existem equipamentos que atendem pessoas com deficiência, arquitetura sustentável e mobiliário confortável, para que o visitante possa permanecer ali por grandes períodos. “A biblioteca pública tem essa veia de troca entre as pessoas e deve ser uma espécie de centro comunitário, onde os encontros acontecem por meio do conhecimento, da cultura, da literatura e do lazer. Não dá para conceber um projeto de cidadania que não seja baseado num projeto consistente de leitura e conhecimento."
Massacre nunca mais
Inaugurada em 2010, a Biblioteca de São Paulo fica no terreno em que funcionava a Casa de Detenção de São Paulo, popularmente chamada de Carandiru. O local ficou conhecido quando, em uma rebelião, houve uma intervenção da Polícia Militar que acabou na morte de 111 presos, em 1992. Hoje no local fica o Parque da Juventude, que abriga a biblioteca estadual e também uma unidade de escola técnica. Quando o presídio deixou de existir, causou um grande impacto para a comunidade.
"Você não pode simplesmente pegar a casa de detenção, com os episódios horrorosos que aconteceram ali, e escondê-la embaixo do tapete. O Parque da Juventude finalmente tem um memorial do Carandiru e a biblioteca está engajada em um projeto chamado Humanoteca, que traz as memórias daquele lugar. Recuperar essas memórias é uma espécie de vacina que a gente toma. É cuidar para que isso não aconteça nunca mais. É ressignificar o espaço e não esconder ou apagar sua história", acredita Pierre.
Do lixo ao luxo
Já a Biblioteca Parque Villa-Lobos, inaugurada em 2015, funciona hoje onde era um grande lixão. Antes mesmo da inauguração do parque, em 1994, aconteceu uma verdadeira epopeia para transformar o grande terreno em um local de cultivo, e não de descarte. O evento Conviver É Possível?, do Trip Transformadores, foi realizado lá. Além do acervo de livros e estudo para espaços, a biblioteca é pioneira na construção de um coworking público dentro de espaços de leitura.
Daniel Wajss, além de frequentador, é também residente do coworking com seu projeto Circuitarias, que une psicologia, neurociência e educação para melhorar a qualidade de vida das pessoas. "A Biblioteca Parque Villa-Lobos é um exemplo simples e real de que é possível fazer muito com pouco. É um espaço democrático que está longe de ter prateleiras empoeiradas [risos]. O mais interessante é que lá o conhecimento não é compartilhado só pelos dos livros, mas por meio dos encontros e trocas entre as pessoas", acredita.
Créditos
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