Como lidar com a vontade de fazer sexo com outros quando se está feliz em uma relação?
Como lidar com a vontade de fazer sexo com outras pessoas mesmo quando se está feliz dentro de uma relação a dois? Cinco mulheres contam como encontraram (ou não) um meio-termo para que amor, liberdade e desejo caminhassem juntos
A designer Lili*, 38 anos, entendeu logo nos primeiros anos de casamento que fidelidade dentro de uma relação não está necessariamente ligada ao sexo. Casada há mais de uma década com um publicitário, ela e o marido decidiram, depois de três anos de união, permitir que cada um transasse com quem bem entendesse. Desde então, algumas regras foram surgindo naturalmente: nenhum dos dois pode dormir fora de casa e não contam explicitamente sobre os casos que têm, mas podem paquerar outras pessoas até quando o cônjuge está no mesmo ambiente.
“Em determinado momento, ficou claro que eu e ele sentíamos vontade de fazer sexo com outras pessoas, mas não sabíamos como dizer um ao outro. Percebia que ele olhava para outras mulheres e o nosso sexo começou a ficar mecânico. Um dia, ele me disse que me amava muito, mas que queria transar com outras mulheres”, conta Lili. “Mas não é nada fácil se livrar do conceito de que seu marido só pode transar com você”, admite.
De acordo com a psicanalista Diana Corso, autora do livro Fadas no divã, os desejos são naturais e saudáveis. “O que não pode é um parceiro querer controlar os desejos do outro. Nós podemos nos adequar aos desejos e brincar com as fantasias do parceiro, mas limitar é impossível”, opina.
Lili percebe, hoje, que inibir os desejos estava minando a relação. “Nunca quis que meu marido ficasse comigo por obrigação. Depois do novo acordo, o sexo melhorou mil vezes e a gente só faz quando quer mesmo. As transas dele com outras mulheres têm tanto valor pra mim quanto um encontro com amigos. A fidelidade não se prova pelo sexo ou pela ausência dele, mas pelo comprometimento dele comigo e com o plano de vida que escolhemos para nós. Temos três filhos, um casamento estável e somos muito felizes juntos”, explica.
Passado nublado
A relação, porém, nem sempre foi bem resolvida. A designer admite que no começo se forçava a sentir desejo por outros homens, para “aproveitar do combinado” – e que ficou insegura quanto ao futuro dos dois. “Isso só passou com muita conversa e tempo. Hoje não fico mais preocupada em saber da vida dele e só paquero outros caras quando tenho muita vontade”, diz. “É bom poder transar quando quiser, mas não por isso faço o tempo todo.”
Para ela, essa situação ajudou o casal a dar mais valor um ao outro. Inclusive, já passaram até dois anos sem ter relações fora do casamento. E se alguém se apaixonar? “A preocupação existe. Mas isso não tem a ver com fazer sexo com outras pessoas. Pode acontecer com qualquer um”, acredita.
A psicanalista Regina Navarro Lins, especialista em sexualidade e autora de livros como A cama na varanda e O sexo no casamento, acha que esse “risco” de perder o outro não é prejudicial, pelo contrário. “Não adianta você achar que vai encontrar o amor da sua vida e que vai dar tudo certo. Relação precisa de manutenção, de estímulos. A maioria das mulheres quer ter total controle do casamento e, ao fazer isso, acaba perdendo o interesse sexual no parceiro”, discursa.
Quando a produtora Maria* , 32, conheceu o marido, dois anos atrás, mantinha outras relações, assim como ele, e ambos não se preocuparam em cortá-las mesmo depois de assumirem o namoro. “Já transamos a três, a quatro, tudo meio sem regra, e nunca foi um problema. Mas, há seis meses,
me apaixonei por outro homem, e isso acabou atrapalhando a nossa relação. Foi então que repensei o combinado e passei a ver o quanto meu marido se doava em seus “flertes”. Depois de brigas sérias, decidimos fechar a relação – a primeira vez que conversamos sobre isso”, conta Maria.
Ela conta que os dois estão muito apaixonados desde então. “Me deixa tranquila saber que nosso casamento tem ciclos. Agora estamos satisfeitos desse jeito e não cabe ninguém. Mas um dia podemos inventar um novo combinado. O fato de saber que todos os ciclos terão fim, os felizes e os infelizes, me deixa com vontade de continuar casada e de ir acertando os ponteiros de acordo com a fase da vida”, explica.
O combinado não sai caro
Para a publicitária Teresa* , 34 anos, mesmo as experiências prévias não foram suficientes para prevenir problemas na relação. “Já fui casada duas vezes, nunca menti para os meus maridos, mas também nunca contei que os traía. Dizia sempre com quem estava, mas não contava o que fazia. Acabei me apaixonando por um amante, que virou namorado e acelerou meu processo de separação no ano passado”, diz.
Há seis meses envolvida na nova relação, é a primeira vez que Teresa sente um ciúme incontrolável. “Sempre me senti à vontade para fazer o que quisesse, e até faço de vez em quando, mas não suporto pensar que ele possa sair com outras mulheres, mesmo sabendo que ele só consegue viver assim.” A solução? “Ainda não encontrei. Só tenho certeza de que não quero terminar a relação, então estamos tentando um equilíbrio. Quando sinto ciúme, peço para ele tomar cuidado para não me deixar nessa situação. Tem funcionado”, diz.
"Já fui casada duas vezes, nunca menti para os meus maridos, mas também nunca contei que os traía", Teresa
Teresa – e outras mulheres entrevistadas para a reportagem – acredita que só um acordo e regras bem definidas fazem funcionar. “Só assim é possível enxergar fidelidade e comprometimento em uma relação que foge aos parâmetros normais”, completa. A produtora Maria acredita que o mais importante é não tentar descobrir se o parceiro está cumprindo o combinado. “Dá trabalho demais. Quando estou insegura ou querendo mais liberdade, reconversamos. É mais fácil do que mentir e ter uma vida dupla”, solta.
Para Regina Navarro, esses novos acordos que significam uma alternativa à monogamia devem ser marcantes nas próximas gerações. Ela acredita que cada vez mais valem as regras específicas, que levam a uma relação de troca saudável. “O importante é não quebrar o acordo, não importa qual seja. O respeito é fundamental para que dê certo”, opina.
O passado nos condena
A discussão e a adaptação à monogamia sempre serão assuntos a serem discutidos, acredita Diana Corso. “As pessoas estão sempre tentando entender até quando vão ser objeto de desejo e até quando o outro as satisfará plenamente. É um eterno questionamento sobre o quanto somos desejados e o quanto alguém vai nos oferecer para nos ‘prender’.” Para ela, a dificuldade em se adaptar a um estilo predeterminado de relação também tem a ver com as mudanças do século passado, especialmente para as mulheres. “A libertação da mulher e a revolução sexual ainda estão em curso, então a gente tende a rejeitar tudo o que foi feito pelas últimas gerações. Uma relação estável, de décadas, como a de muitos avós, parece não estar sendo coerente com o tempo atual, que insiste que a gente pode ter muito mais, que precisa viver várias vidas em uma só”, acredita a psicóloga.
Diana também pontua que um dos fatores mais marcantes nas separações e na insatisfação no modelo a dois é que, atualmente, as pessoas exigem muito mais da vida. “A gente acha que tem que ser uma obra de arte irretocável. Nossos avós esperavam muito menos dos relacionamentos. Então, ao mesmo tempo que entramos de forma mais realista e mais tardia nos relacionamentos, temos visões menos realistas de nós mesmos. As pessoas projetam na relação essas diversas vidas que elas acham que precisam ter. Daí a dificuldade em se sentir pleno com uma relação que obviamente vai ter altos e baixos”, explica.
A atriz Carolina Bastos, 32, está junto do marido há 13 anos (e casada há 8) e decidiu seguir à risca a relação monogâmica, mas não esconde a atração que sente por outras pessoas. “Claro que olho para o lado. Às vezes penso: ‘Transaria com esse cara’. Mas corto a situação antes de chegar num ponto que não tenha mais certeza de como vou agir. Não me permito flertar a ponto de perder o controle”, assume. Ela e o marido, o advogado Paulo Bastos, 31, encaram o casamento como um trabalho diário.
“Se você descuida, quando vê, a pessoa foi para um lado e você, para o outro. Outra preocupação nossa é a de não virarmos amigos habitando a mesma casa. Se você não beija, não se lembra de fazer carinho, só encosta quando vai transar, é quase igual a transar com uma pessoa que acabou de conhecer. O mais legal do casamento é a intimidade”, explica.
"O casamento como um todo é difícil. Não necessariamente a monogamia, mas a relação entre duas pessoas. Não sei se é a monogamia que dificulta", Taís Castilho
Carol também assume que essa é a sua primeira relação monogâmica. “Traí todos os meus ex-namorados. Não me sentia segura como me sinto com o Paulo. O que temos é especial, mas sei que corro o risco de perdê-lo, então cuido”, admite. “Nosso combinado é de não dormir brigado e de ir discutindo os problemas logo que aparecem.”
Para a terapeuta de casais Tai Castilho, que lida com relacionamentos há mais de 20 anos, o maior problema é a baixa tolerância que a geração atual tem com frustração como um todo. “Está implícito que você tem que estar sempre feliz, independente de ser na relação amorosa. O casamento como um todo é difícil. Não necessariamente a monogamia, mas a relação entre duas pessoas. Não sei se é a monogamia que dificulta”, arrisca.
Diana Corso acredita que não é mais possível distinguir facilmente a fidelidade da infidelidade. “O fato é que, de alguma forma, as pessoas se arranjam para continuar se amando. O importante é minimizar o seu sofrimento e o do parceiro.” Para isso, crê que “é preciso que as pessoas sejam sinceras consigo mesmas”.
A roteirista (e colunista da Tpm) Antonia Pellegrino, 32 anos, casada há seis com o escritor Francisco Bosco, 35, sente a dificuldade de manter uma relação numa época de tantos estímulos. “Sou uma entusiasta do casamento. Mas é uma instituição que passou por muitas transformações no século passado. Acho que é uma tarefa da nossa geração pensar em formas de viabilizar a relação a dois”, afirma. Ela, que está grávida de quatro meses e meio, acredita que o termômetro sempre deve ser o amor. “Enquanto há amor, vale a pena tentar. Se está subentendido que os dois querem ficar juntos, acho o casamento uma aventura deliciosa. Se está ruim, a postura tem que ser de descobrir juntos como melhorar.”
