”Apaixonada, inquieta, revolucionária, era normalmente considerada um problema dentro dos grupos nos quais atuava, ficando sempre mais à esquerda dos esquerdistas.”
Se a luta por direitos iguais é penosa hoje em dia, imaginem em 1889, quando a polonesa Rosa Luxemburgo entrou na Universidade de Zurich, uma das poucas que aceitava mulheres, e se tornou uma das primeiras alunas no mundo a completar graduação em economia, filosofia e matemática, e a ter direito ao título de “doutora” por ter feito doutorado em ciência política.
Mas o pioneiro título não era o que mais chamava a atenção a respeito de Luxemburgo. Ativista política desde os 16 anos, lutava eloquente e sonoramente por todas as minorias e oprimidos – trabalhadores e mulheres especialmente, mas também negros e judeus, sendo ela mesma judia.
Apaixonada, inquieta, revolucionária, era normalmente considerada um problema dentro dos grupos nos quais atuava, ficando sempre mais à esquerda dos esquerdistas. Por causa da atitude hoje é reconhecida como uma das fundadoras da “nova esquerda”, movimento que recusa a participação do estado burocrático no controle dos meios de produção e acredita que uma sociedade só pode se transformar se os trabalhadores em conjunto se apropriarem deles.
Luxemburgo acreditava também que a mulher só alcançaria a completa libertação através de uma ampla e profunda revolução social e dedicou uma vida a lutar por ela. Eloquente e articulada, gostava de discursar para grandes grupos a respeito das coisas que a inspiravam. E as coisas mais simples eram capazes de fazer com que ela discursasse por horas. Não entendia, por exemplo, por que durante o inverno era o homem que ia cortar lenha enquanto a mulher cozinhava a sopa ou saia para ordenhar a vaca. “Eles não sabem que entre índos brasileiros é a mulher que corta a lenha, e que na África é o homem que ordenha a vaca?” Não, eles não sabiam.
Dentro dos partidos políticos aos quais se filiava recusava os cargos que eram oferecidos – normalmente alguma coisa nos bastidores, como contabilidade, que era o que mulheres faziam à época. Queria estar na linha de frente, e jamais aceitou papel secudário, o que gerava grande consternação e acabava fazendo com que ela conquistasse inimigos dentro desses grupos.
Numa época de grande efervecência sindical, quando já estava claro que o capitalismo achataria a classe trabalhadora, não demorou para que a força de seus discursos e dissertações cruzasse fronteiras e Lênin e Trotsky virassem fãs. Não demorou também para que ela fosse presa, rotina que se repetiria algumas vezes até a sua morte.
Na maioria das vezes, nem acusação havia e ela era simplesmente tirada de circulação como “prevenção” diante de tanto furor social. Liberada, ficava proibida de escrever ou falar sobre política. Era de fato uma mulher perigosa porque, como escreveu o jornalista americano Nicholas Kristof, o maior perigo para a opinião consagrada não são bombas sendo lançadas mais mulheres lendo livros.
Sua dialética era forte e muito baseada na de Marx, e porque via sentido no que ele dizia apoiou fortemente a revolução bolchevista de 1917, ainda que logo depois tenha se oposto à forma e entrado em rota de colisão com Lênin tornado-se uma dura critica do bolchevismo.
“Desde o primeiro dia da revolução”, escreveu Trotsky sobre ela logo depois de saber de sua morte, “não, desde a primeira hora da revolução, Rosa Luxemburgo lançou uma campanha contra o machismo e contra o patriotismo em nome da independência do proletariado e da internacionalização da revolução”. Era respeitada até por aqueles que discordavam dela, embora tenha morrido sem saber disso.
Foi uma das primeiras a entender que o bolchevismo não poderia funcionar se os meios de produção fossem apropriados pelo Estado e não pelo trabalhador, e manifestou publicamente a frustração, antecipando o fracasso do novo sistema. Era uma visionária, uma mulher muitos anos à frente de seu tempo.
Por tudo isso é natural que quase 100 anos depois de sua morte, com o mundo atravessando problemas que ela antecipou, esteja havendo um redescobrimento de seu nome e ideias. Novas edições de seus livros estão sendo lançadas em inglês, como “Socialism or Barbarism”, “The essential Rosa Luxemburg”, “The Rosa Luxemburg Reader”, “Rosa Luxembrurg: Ideas in Action”. As principais obras traduzidas para o português são: “Reforma ou Revolução”, “Acumulação do Capital”, “Introdução à Economia Política”.
Cidadã alemã, onde morou durante quase toda a vida, acreditava que a grande transformação só se daria com a revolução, mas não era contraria à ideia de uma reforma porque dizia que a transformação espiritual das pessoas seria o meio necessário – e o fim desejado – para uma radical mudança social. Por isso se contrariava quando diziam que reforma e revolução eram coisas excludentes: achava que poderiam ser complementares.
No dia 15 de janeiro de 1919, semanas depois de deixar mais uma vez a prisão, foi sequestrada, torturada e assassinada por radicais de extrema direita. “Eu fui, eu sou, eu serei”, tinha escrito poucos antes.