por Milly Lacombe
Tpm #40

Ele foi Príncipe do iê-iê-iê, mãe de gravata e sobrevivente de uma doença rara

Em meados dos anos 80, aos 35 anos, Ronaldo Lindemberg Von Schilgen Nogueira enterrou qualquer chance de ganhar na lo­te­­ria ao driblar as estatísticas e sobreviver a uma doença ra­ra e mor­t­al: polineurite plurirradicular, uma inflamação no sis­­tema nervoso que provoca dores medonhas e entreva suas vítimas na cama por meses até que elas, misericordiosamente, morrem. Registros médicos apontam que apenas duas pessoas no mundo vence­ram a bata­lha contra o vírus letal: ele e um cidadão australiano. Mas não é por ter virado caso de estudo médico que Ronaldo é um sujeito fa­mo­so.

Filho mais velho de uma abastada família fluminense, nasceu em Niterói, em 1944, e foi educado para administrar os negócios do clã. O pai, diplomata, e os tios eram donos de banco e de uma corretora de valores. Ronaldo estudava economia e seguia obediente a trilha de herdeiro, mas quis o destino que estivesse num certo bar, num certo dia de 1963 em que uma certa banda to­ca­va Beatles. Ronaldo fornecia discos difíceis de se achar no Brasil e foi chamado ao palco pelos amigos para cantar uma música, por far­ra. Na pla­téia, um jovem executivo do mercado fonográfico (sim, ele, o oni­presente João Araújo, pai de Cazuza e ex-todo-poderoso da Som Livre) viu no garoto de olhos azuis e rosto de prín­cipe a chance de ganhar um bom dinheiro. E assim foi criado Ron­nie Von, o cantor.

O Rio, e na seqüência o Brasil, se entregou ao charme do ra­paz que começou cantando Beatles, uma obsessão, mas que ficou fa­moso como intérprete de iê-iê-iê. Ronnie era u­ma es­pé­cie de Felipe Dylon da época. A diferença é que cantava aquelas mú­sicas bobas a contragosto. Se dependesse dele, es­taria fa­zendo rock psicodélico. Chegou a gravar dois discos ex­pe­ri­mentais, que foram fracasso de venda, mas que hoje são cultuados por gente como Otto e a banda pernambucana mombojó.

Briga com o Rei
Com a pinta de galã que ti­nha, Ronnie virou o queridinho das AMs e ganhou um programa na TV Record: O Pequeno Mundo de Ronnie Von, que fazia fren­te ao Jovem Guarda, de Roberto Carlos. Na época, o Rei não es­con­­deu de nin­guém que não gostou da chegada de um príncipe - como, aliás, Ronnie ficou conhecido. A família tra­dicional tam­bém detestou a virada na vida do herdeiro.

Para piorar, a es­posa, Are­thusa – com quem havia se casado aos 19 anos – saiu de ca­sa e o deixou só com os fi­lhos, Ales­sandra e Ronaldo, na época com 7 e 6 anos. Ronnie se adaptou bem ao novo papel, mas aí veio a do­en­­ça que quase o matou. A carreira de músico foi pro espaço e, nas dé­ca­das seguintes, o príncipe teve de se contentar com a apresentação de programas de TV como Qual é a Mú­sica, na extinta Tupi. Hoje, casado com a ami­­­ga de infância Cris­tina, com quem teve um terceiro filho (Leo­nar­do, 17 anos), e três vezes avô, comanda na TV Gazeta o Todo Seu. Foi em sua casa no bairro pau­listano do Morumbi que o encontra­mos para voltar ao pas­­­­­sado e entender melhor as mil voltas que a vi­da de Ronaldo já deu.

Você já ouviu falar em metrossexual? Será que você se encaixa nesse conceito?
Ronnie Von. Curioso você me perguntar isso porque eu estava numa banca de jornal outro dia e vi dois homens me apontando e discutindo se eu era ou não gay. Daí um deles se aproximou e disse: “Ronnie, você me desculpe, mas eu tô falando pra esse idiota aqui que você não é bicha, que você é metrossexual”. Eu respondi: “Olha, meu caro, eu nunca pintei unha na minha vida porque acho brega homem de unha pintada – agora, eu tenho de fato a cabeça feminina. Fui um homem que criei filhos sem mulher e acabei me apaixonando pelas coisas femininas. Eu gosto de cama, mesa e banho, sei fazer ponto cruz...”. Mas meu negócio é mulher. Sempre foi. Acho homem grosseiro, insensível, bobo... Enfim, não é a minha.

Você sempre teve essa cabeça feminina?

Evidente que não. Com 15 anos entrei para uma academia militar e fui ser cadete da Aeronáutica. Eu adorava aviação. Queria ser aviador, mas minha família tinha um grupo financeiro e acabou me recrutando para trabalhar lá.

E quando esse seu lado feminino aflorou?
Acho que foi quando tive um caso com uma amiga da minha mãe [risos]. Eu tinha 18 anos, ela era separada, tinha 42. Foi a mulher mais elegante, educada e gentil que eu vi na vida. Fiquei apaixonado e cheguei a me mudar para a casa dela, uma cobertura na ave­ni­da Atlân­tica [em frente à praia de Copacabana]. Hoje ela deve ter uns 84 anos, olha a barbaridade! Na época, minha mãe ficou uma fe­ra. Me lembro até hoje do dia em que ela foi me buscar, uma ver­gonha. Me escondi quando vi minha mãe na porta – pra você ver como eu era maduro [risos]. Aí ela fez um discurso, disse que a ami­­ga havia me seduzido, que isso não era correto, falou por ho­ras ali na porta. Ficamos juntos oito meses e talvez eu deva a essa mu­lher a visão feminina da vida porque ela me ensinou tudo e mais um pouco.

Você fez faculdade de economia, não foi?
Fiz obrigado, porque eu detestava. Queria ser arquiteto, aviador, tudo menos economista. Mas meu pai e meus tios tinham um banco comercial, um banco de investimentos, um banco múltiplo, uma corretora de valores, uma outra de seguros e uma financeira. Enquanto eu estudava, montei minha própria corretora e, aos 20 anos, era o reizinho do mercado. Investia grana alta, perdia e ga­nhava muito dinheiro.

E mesmo com a faculdade e o trabalho você ainda insistia na coisa de ser piloto?

É que eu era fascinado por velocidade. Nunca esqueço a primeira vez que pilotei sozinho um Fokker S-11. Tinha 19 anos, foi a melhor sensação da minha vida. Mas tive de abandonar a aviação porque fui obrigado a escolher entre a faculdade de economia e a Aeronáutica. A pressão da família foi muito grande. Mas dei um jeito de continuar perto da aviação e consegui um emprego na Vasp. Voei comercialmente, mas por pouco tempo.

Você pilotou aviões de carreira?
Algumas vezes. Pilotava mais aviões de carga. Saía do Rio e ia pra todo canto do Brasil. Mas também trabalhava nos negócios da família. Comecei a ganhar dinheiro, o que me seduziu. Tinha casado muito cedo, precisava sustentar a família e terminei desistindo da aviação.

Com quantos anos você casou?
Com 19. Com 23 tive meu primeiro filho, o Ronaldo.

E a música entrou na sua vida como?
Meu pai, que era diplomata, estava servindo em Londres. E era justamente essa a época dos Beatles, né? Ele me mandava de lá todos os LPs, muito antes de as músicas estourarem por aqui. Daí conheci uns caras que tinham uma banda que só tocava Beatles e comecei a emprestar os LPs pra eles e a ir a todos os shows que eles faziam em bares e boates. Num desses shows, os caras da banda, sem eu saber, pegaram o microfone e disseram: “Tá aqui na platéia o Ronnie, que é o cara que fornece os discos pra gente. Eu queria convidá-lo para subir aqui e cantar uma música”. Eu gelei, tentei sair correndo. Mas foram me pegar lá fora e, quando entrei, o bar inteiro estava gritando: “Canta, canta!”. Aí eu subi no palco tremendo e cantei “You’ve Got to Hide Your Love Away”, que ninguém aqui tinha ouvido. E foi um sucesso.

A partir daí você resolveu cantar?

Isso nem me passava pela cabeça. Eu vinha de uma das famílias mais tradicionais do Rio e, naquela época, ser artista era subversão, rebeldia. Mas olha como a vida é curiosa. Sabe quem estava na platéia naquela noite? O João Araújo [pai de Cazuza, na época executivo do mercado de música e prestes a fundar a Som Livre].

Ele gostou da sua performance?
Ele chegou pra mim naquela mesma noite e disse: “E aí, moleque, vamos fazer um disco?”. Achei que era deboche. O João foi quem me inventou. Ele já chegou cheio de idéias, querendo fazer um compacto com um lado cantado em português e outro em inglês. Eu topei, na certeza de que ninguém ia ouvir aquilo. No lado A, cantei uma versão traduzida de “Girl”. No B, “You’ve Got to Hide Your Love Away” em inglês.

E estourou?
Como uma praga. “Girl”, que se chamou “Meu Bem”, tocava de manhã à noite, foi um hit, primeiro lugar absoluto nas paradas. Aí o céu desabou na minha cabeça. Primeiro, meus amigos da faculdade me execraram: “Ronnie, que história é essa de tocar música de periferia? É preciso fazer música engajada, de esquerda, com men­sagens sociais”. Eu era o típico burguês de esquerda, sabe? Ha­­via dois tipos de burguesia de esquerda na época: a escocesa, que só to­mava uísque 12 anos, e a francesa, que só tomava Dom Pé­­rignon. De dia, manifestações veementes na UNE a favor do po­­vo, com men­sagens trotskistas, citações leninistas e marxistas, e le­­van­do ca­cete da polícia. À noite, champanhe numa cobertura de Ipa­­ne­ma.

A sua família achava o que do Ronnie cantor?

Eles eram radicalmente contra. Achavam que eu tinha sido possuído, que ia jogar o nome da famíla na lama. E foi assim, sem respaldo nenhum, que aos 22 anos, depois de me formar, me mudei para São Paulo para tentar ser cantor. Eu e Arethusa, minha mulher na época, que foi uma supercompanheira.

Onde vocês foram morar?

Num hotelzinho muito elegante ali na praça Julio Mesquita, uma coisa de primeira linha [risos]. Mas o que eu não sabia é que a fase difícil estava apenas começando. O preconceito dos amigos e da família não foi nada perto do que sofri de outros músicos.

O que eles faziam?
Tive que ouvir coisas do tipo: “Esse filhinho de papai tá tomando o lugar de alguém que precisa”. Ou: “Só porque é bonitinho e rico acha que vai conseguir emplacar”. Ouvia isso principalmente do grupo do Roberto Carlos, da jovem guarda.

Por que Roberto Carlos implicou com você?
Não sei. Ele era o rei, começaram a me chamar de príncipe, e acho que ele não gostou muito. A rivalidade piorou em 1966, quando fui contratado pela Record para ter um programa só meu, concorrente do dele, o Jovem Guarda, também exibido pela Record. Na época, fui advertido por gente lá de dentro de que a Record estava me contratando para me deixar na geladeira e, assim, evitar que outra emissora me contratasse para rivalizar com o pessoal da jovem guarda. A intenção era me anular.

E você acreditou nisso?
Eu achei aquilo muito fantasioso. Só muitos anos depois soube que era mesmo essa a intenção. O fato é que me jogaram lá dentro para comandar um programa de música, mas não tinha formato, casting, nada. Aí decidi que ia pegar os discos que meu pai mandava da Inglaterra e ia cantar aquelas músicas na TV. Eu, uma menina que ficou minha amiga em São Paulo e que também adorava Beatles e mais dois rapazes. Sabe quem eram eles? Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sergio Dias.

Os Mutantes?
Pois é, mas eles não tinham ainda esse nome. Nessa época eu estava lendo um livro chamado Império dos Mutantes e achei que esse poderia ser o nome da banda deles. Meu programa de TV era eu e um trio: os Mutantes. E, contrariando todas as expectativas, tivemos muita audiência.

A rivalidade com Roberto Carlos continuava?

A todo vapor. Quem ia ao meu programa era proibido de ir ao dele. E vice-versa.

Vocês não se encontravam nos corredores da Record?
Sempre. Mas ele não me olhava. Tentei ligar para o Roberto várias vezes, mas ele nunca me atendeu.
 

Você gostava de Beatles, viu nascer os Mutantes. Como acabou fazendo música popularesca?
Nunca gravei aquilo que queria gravar, só o que os executivos mandavam, o iê-iê-iê, que vendia como água. Eles diziam: “Grava isso aí que é muito legal”. Eu achava tudo uma droga, mas gravava. Não havia tempo para experimentações, para dar vazão ao movimento do rock’n’roll que estava surgindo e que era o que eu realmente queria fazer. Os únicos dois discos que fiz da minha cabeça, que eram uma coisa mais experimental, mais psicodélica, underground, quase eletrônica, foram grandes fracassos de venda e quase acabaram com minha carreira. Eu achava que ia haver uma hora em que eu poderia fazer a música que eu queria e ga­nhar di­nheiro com ela. Enquanto isso, ia cantando aquilo que me mandavam cantar. Só que não houve essa hora.

Mas esses dois discos [Ronnie Von no3 (1967) e A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre contra o Império do Nuncamais (1969)] hoje são reconhecidos como seus melhores...
Pois é, viraram cult, custam US$ 500 [N.R.: encontramos na Ba­ratos Afins, na Galeria do Rock, em São Paulo, cada um por R$ 150]. Em um deles, tem uma faixa que o Caetano canta comigo, é uma das minhas prediletas. Na Áustria tem um site dedicado apenas a vender meus trabalhos antigos.

Nesses dois discos há músicas de Tom Jobim, Paulinho Tapajós, Renato Teixeira, Juca Chaves, Benito di Paula... Você também compunha?  

Pouca coisa. Às vezes letra, às vezes música. Mas de todas as músicas que cantei até hoje devo ter composto só 20%.

Aí você sucumbiu ao iê-iê-iê sem psicodelismo e virou popstar.
A verdade é que fui feliz. Andava com 16 seguranças, era uma loucura. Cheguei até a encontrar uma menina debaixo da minha cama.

Como assim?
Na época, Arethusa e eu já morávamos no Morumbi, que era um bairro distante. Essa menina pulou o muro quando eu não estava em casa, foi até o meu quarto, se escondeu debaixo da cama e ficou lá a noite inteira. Eu cheguei com a Arethusa e fui dormir. No dia seguinte, meu cachorro entrou no quarto e foi direto para baixo da cama. Acho que nunca levei um susto tão grande. Os fãs iam até mi­nha casa e faziam piquenique na porta. Na minha e na do Ro­ber­to.

Depois você se separou e ficou com a guarda de seus fi­lhos. Por que eles ficaram com você e não com a mãe?
Me separei em 1975, quando fazia o Qual É a Música na TV Tupi. A Arethusa achou que eu era a pessoa mais capacitada do casal, e eu sabia que era mesmo. As crianças eram pequenas, tinham 7 e 6 anos. A Arethusa foi embora para o Rio e eu assumi o dia-a-dia dos dois. Fazia o jantar, a lição, colocava para dormir, cuidava quando ficavam doentes.

Você foi mais pai ou mais mãe?
Fui mãe. Não tenho nenhuma dúvida disso. Fui mãe com ataques de mãe, sabe como? A mãe que dramatiza, que faz cena? Era eu. Já cheguei ao ponto de me jogar no sofá, levar a mão à testa e dizer: “Vocês não valorizam o meu sacrifício!”. Eu fiz isso. Fui mãe boazinha, mãe repressora. Fui todo tipo de mãe.

E como conciliou a carreira com a maternidade?
Tive que abrir mão de viagens, de shows, porque não dava para criar os dois e sair por aí. E não ia abrir mão de levar e buscar na escola, de almoçar e jantar todos os dias com eles. Isso para mim era fundamental.

Foi aí que você abandonou a carreira de cantor?
Comecei a negligenciar essa história da música. O que foi um equívoco. Mas eu não tinha alternativa. São prioridades na vida. A verdade é que não agüentava mais ser discriminado. Foi uma coisa muito pesada, sabe? A imprensa foi cruel, alguns artistas foram cruéis... Eu poderia justificar todos os fracassos artísticos da minha vida culpando, por exemplo, o grupo do Roberto. Poderia culpar alguns jornalistas da editora Abril, que também pegaram pesado com o “filhinho de papai”. Mas a culpa é minha. Eu é que não soube conduzir minha carreira, que é toda irregular, cheia de altos e baixos, é uma maluquice. Nunca fui bem orientado.

Você acha que se você fosse feio e pobre a imprensa teria sido mais complacente?

Seguramente. Aí eu seria considerado de fato um cara brilhante e teria estourado por anos e anos.  

Você passou pelos anos 60, 70, os anos de maiores experimentações com drogas, numa boa?
Era absolutamente careta. Adoraria te dizer: “Ah, já tive ótimas ex­perimentações com ácido...”. Mas nunca tive. Nada. Sabe por quê? Porque eu tinha medo. Mas já acompanhei várias viagens de ácido. Numa ocasião, estava no carro com um amigo, e ele co­me­çou a achar que o carro estava emagrecendo e ia nos esmagar. Perguntei: “Como o carro está emagrecendo?”. E ele, histérico: “Você não está vendo que as portas estão vindo para cima da gente?” [ri­sos].


Como você fazia para permanecer careta no meio dos doidões?

Cheguei a inventar que tinha um problema neurológico e que se cheirasse ou fumasse podia morrer. As pessoas levavam a sério.

Foi por essa época que você quase morreu?

Foi em 1980. Peguei um vírus que inflamou meu sistema nervoso periférico inteiro, uma coisa raríssima e também fatal. No mundo inteiro apenas duas pessoas sobreviveram a essa doença: eu e um sujeito na Austrália.

Você achou que ia morrer?
Tinha certeza. Ficava na cama sem conseguir me mexer esperando a hora de morrer. Cheguei a pedir para um enfermeiro me matar. Eram dores medonhas, eu passava o dia uivando. Imagina a dor de um nervo de dente exposto, só que em todo o seu corpo. Era isso que eu sentia. Eles me davam morfina, mas a morfina não fazia efeito nenhum. Não sei como eu agüentei.

Alguns jornais chegaram a anunciar sua morte.
Cinco. Três, se não me engano, deram hora e local do meu enterro. Li até alguns obituários feitos para mim [risos].

O pessoal que te espinafrou no começo da carreira apareceu nessa hora?

Apareceu.

O Roberto também?
Na época a gente já tinha ficado amigo porque a Nice [primeira mulher de Roberto] ficou amiga da Arethusa. Mulher resolve tudo na vida, né? Eu digo que essa é uma sociedade subterraneamente matriarcal e é verdade. Homem é muito babaca, sabe? Ainda mais homem que acha que controla tudo, porque homem não controla nada. É a mulher que controla tudo. Mas deixa pra lá. Voltando a sua pergunta, eu me lembro do Roberto sentado ao lado da minha cama quando eu estava muito mal. Hoje nos damos muito bem.

Durante quanto tempo isso?
Fiquei um ano na cama, paralítico. Depois precisei de mais três para me recuperar completamente. Nessa época, muita gente me ajudou a cuidar das crianças. A Arethusa, meus pais, a namorada, os amigos.

E como você se curou?
Fui melhorando aos poucos e consegui sobreviver. Mas até hoje não se sabe como. Foi um milagre.

O que mudou na sua vida depois dessa experiência-limite?
Saquei que a vida é um prêmio. E entendi que o ser humano morre de verdade quando perde a capacidade de sonhar. Quando estava naquela cama, não sonhava mais. Se você tirar o sonho do coração de um homem, você tira a própria vida dele. Eu tive que ficar à base de antidepressivos, tive que voltar das cinzas.

Você foi um homem mais feliz depois da doença?
Olha, eu encontrei a mulher da minha vida depois disso. Nem sei se soa idiotesco, mas a história desse meu casamento foi muito forte na minha vida. E foi isso que me fez ser um homem muitíssimo mais feliz.

Você e Cristina se conheceram como?
Cristina e eu fomos criados juntos porque as famílias eram amigas. Ela é dez anos mais moça, sempre a considerei uma irmã caçula. Era minha melhor amiga, minha confidente. Arethusa e eu chega­mos a levá-la a Disney quando ela era pequena, veja só. Mas depois da doença a gente se aproximou de uma forma mais intensa, e eu re­­sol­vi convidá-la para fazer uma viagem comigo à Argentina. E foi lá que tudo aconteceu. Olha, vou te dizer que ela foi a maior sur­presa da minha vida. Porque eu já saí com muitas mulheres e des­cobri que as que fazem o tipo mais arrebatador, as mais sedutor­as, são todas ruins de cama. Já Cristina, com aquela cara de santa, meu Deus! Es­­sa mulher me deixou maluco. Não é à toa que estamos juntos até ho­je.

E o que você espera do futuro?
Existem alguns acertos que eu tenho que fazer, mas tenho consci­ên­cia que falta muito pouco tempo agora. Estou com 60 anos, e a expectativa de vida do brasileiro é de 76. Pensar nisso me dá medo, me assusta muito.

Por quê?
Porque eu acho que a brincadeira está acabando. E pensar nisso me deixa em crise. Ter que enfrentar a própria mortalidade, isso é mui­to duro, sabia? Porque ainda tem tanta coisa que eu quero fa­zer...

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