O mundo numa caixinha

por Mara Gabrilli
Tpm #147

Nunca compreendi o desejo intenso das pessoas de estar na TV

O poder da televisão nunca me seduziu. Era muito inquieta quando criança para ficar parada diante daquela telinha. Quando saí de casa e fui morar sozinha, levei uma televisão velha, mas nunca tive tempo para ajustar a antena e nenhum canal pegava, eram só chuviscos. Como não tinha abajur, ela acabou se tornando, de modo inusitado e irreverente, uma luminária kitsch. 

Por não dar valor nem atenção a ela, nunca compreendi muito bem esse desejo tão intenso das pessoas de estar na TV. Fui perceber o tamanho de sua força depois que quebrei o pescoço e meu amigo Paulo Lima, sempre quebrando tabus, me convidou para ser capa da revista Trip como a primeira tetraplégica a posar em um ensaio sensual. Nossa ousadia foi um marco no combate ao preconceito que cerceia a sexualidade da pessoa com deficiência e, por esse motivo, fui convidada para diversos programas de televisão para falar do tema. E, do dia pra noite, passei a fazer parte daquela caixinha. Meu trabalho fez com que eu continuasse a ser convidada para entrevistas, e é muito interessante notar o modo como as pessoas que te veem nela sentem-se próximas de você, como se, de fato, você tivesse estado na casa delas trocando segredos.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2012 do IBGE, 97,2% dos lares brasileiros têm pelo menos um aparelho de televisão. Não é uma surpresa, mas eu vi na TV que o abastecimento de água chega a 86,4% dos domicílios e a coleta de esgotos, a apenas 58% (dados da Pnad). Tem algo muito errado nisso. 

Passamos por um período de propaganda eleitoral obrigatória. Confesso que, se não me sentia atraída pela televisão, o horário eleitoral era odioso. E, como a vida nos prega sempre surpresas, lá estava eu usando meus 14 segundos de “fama” pra dizer o que faço e minhas propostas para melhorar a vida dos brasileiros como deputada federal... Profundidade e beleza, cadê vocês? Por isso, gosto muito do corpo a corpo, das palestras, dos encontros e debates para poder ouvir o que as pessoas querem. 

O mais irônico de tudo é que hoje não fico questionando a alienação, mas a falta de acessibilidade para quem não ouve ou não enxerga. Essa é uma discriminação silenciosa e cruel. Passei a frequentar o Ministério das Comunicações atrás de legendagem para quem não ouve, tradução na língua brasileira de sinais (Libras) para quem só se comunica nessa língua e audiodescrição para os cegos. Esses recursos são fundamentais para tirar essas pessoas da invisibilidade e abrir caminhos no entretenimento, nos noticiários e na vida política do país.

Tchau, que eu vou ver a novela.

Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Pró ximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br

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