Vou explicar em Les Criolês
Realiza: você trabalhando, louca, num corre-corre danado e o artista, que deveria estar cansado e cheio de não-me-toques, te responde isso. Ponto pro Kléber! Fizemos uma entrevista pra rádio, uma pra tevê e uma pra uma revista francesa.
Nesta última, a mais longa e detalhada, eu tive que ser intérprete. Foi aí então que eu percebi porque todos os jornalistas que já o haviam entrevistado diziam que tinha sido uma experiência mística: além dele agradecer o jornalista, ser atencioso (de verdade!) e agradecer o trabalho alheio, ele olha fundo no olho e fala.
E quando fala, faz metáforas lindas, escolhe palavras bonitas, a voz é doce e não tem nada a ver com a “agressividade” que ele põe pra fora com as músicas dele... quer dizer, é de verdade o moço do Grajaú grato à família que a gente já viu na Revista Trip, no Esquenta da Regina Casé, em todos os lugares.
Só que o tempo era curto e tivemos que cortar a entrevista: o artista, quer dizer, o operário, teria que ir para o hotel tomar banho. E eu teria que ir de co-piloto já que o Caiubi Mani, do FDE, era o motorista e não sabia o caminho.
Esse bate-volta Palermo – Recoleta – Palermo foi mágico porque nenhum dos três se conhecia e, no entanto, falávamos como se fôssemos brothers. Cada um contou um pouco da vida: O Caiubi, que é de Araraquara, disse que era fã e que nunca havia visto um show dele. Eu contei que era de Itapevi e que “Ainda há tempo” foi o meu disco de cabeceira e o Kléber, que a gente tá careca de saber que é do Grajaú, contou que havia sido convidado pra jogar bola com o Toquinho e que conheceu o César Mendes na casa do Caetano (sim, o Veloso).
A gente falou sobre São Paulo, sobre Buenos Aires, sobre ser estrangeiro, assuntos da vida que não tinham nada a ver com se a divulgação tinha sido boa ou se o Niceto Club estava cheio. Só que aí estávamos a uma quadra do hotel e recebemos uma ligação dizendo que teríamos que voltar.
O Kléber, quer dizer, o Criolo, poderia tomar um banho de dez minutos e fazer o público esperar. Sobretudo porque eu expliquei que as demoras em espetáculos argentinos são tão comuns que já são esperadas, assim como as noivas. Só que não: “é o meu compromisso e eu não posso desrespeitá-lo”, ele disse.
Assim que tocamos a perua de volta ao lugar do show e, quando chegamos lá, o Emicida tava quebrando tudo em cima do palco. Sim, a casa tava cheia. Sim, tava cheio de brasileiro mas sim, também tinham vários argentinos curtindo o som made in Quebrada.
Logo em seguida o Criolo entrou no palco com uma túnica e também quebrou tudo. Eu fiquei feliz à beça de ver que o show era tão bom quanto eu esperava e deixei os zilhares de amigos e jornalistas pra ver tudo de camarote – ou seja, bem na frente do palco. Mano, as pessoas cantavam T O D A S as músicas.
De repente eu olho pro lado e tinha um cara com um cartaz escrito “Grajaú Carapicuíba Só os loko”. Gritei que eu era de Itapevi e dei um abraço nele. A quantidade de vezes que eu escutei gente (diferente) gritando Z.O. do meu lado foi incalculável. E o Criolo, que parecia estar em transe no palco, fez com que todo o público tivesse na mesma sintonia.
Terminado o show eu fui ao camarim dar parabéns. O Kléber tava sentadinho, cansado que só, e disse “Ana, por favor, sei que não é sua função, mas, você poderia pegar uma garrafa de água pra mim?”. (Essa parte, sobre a humildade que todos comentam, deixei pro fim)
Peguei a água, tirei foto, conversei com a banda, ganhei presente do Daniel Ganjaman (um vinil e um CD do "Nó na Orelha") e um autógrafo:
“Ana, muitos são os caminhos
Fortaleça seus pés pois a cabeça tem sempre mania de desvendar nossos medos”
Depois dessa eu me despedi de todo mundo, fortaleci meus pés e fui tomar uma cerveja com namorado e amigos. Além do cansaço de quem dançou muito, trabalhou idem e essa frase retumbando na cabeça; ficou a alegria de quem, como fã, só queria ver o show de um artista querido na sua cidade e... conseguiu!
Pronto, foi assim que começou a minha semana! :-)