A força de Larissa Luz

por Douglas Vieira

Diálogos culturais: falamos com a cantora baiana no festival Se Rasgum, em Belém, sobre o papel de resistência da arte no contexto atual

Dona de três discos de letras fortes e uma musicalidade afrofuturista — Mundança (2012), Território conquistado (2016) e Trovão (2019) —, Larissa Luz fez uma das apresentações mais festejadas pelo público do festival Se Rasgum, em Belém do Pará.

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O futuro é para onde ela olha e é para onde sua arte conduz o pensamento, nos faz olhar, mas, com os pés fincados na realidade complexa que existe no Brasil, ela entende a importância de estar alerta no presente e pensar sobre o papel dos artistas na transformação social. E foi assim que ela encerrou seu show em Belém, convocando: "A gente não vai arregar", disse ela, festejada por todos que estavam ali.

Na saída do palco, Larissa bateu um papo com a Trip sobre o papel de resistência da música. 

Tpm. Qual a importância de ver um festival de música pop do Brasil todo ser realizado há 14 anos na região norte, em Belém do Pará?

Larissa Luz. É bem necessário esse movimento de sair do eixo Rio-São Paulo, de descentralizar os festivais e os acontecimentos culturais do sul e sudeste para se voltar para o norte e nordeste. A gente tem artistas incríveis aqui, que não são muitas vezes vistos e conhecidos pelo grande público por conta dessa barreira geográfica. Por isso, é bem importante que tenha um festival que condense isso e faça existir um movimento de intercâmbio dessas pessoas e dessas culturas, com um monte de artistas, de diversos lugares diferentes. E é importante fazer as pessoas virem para cá, verem artistas que estão falando de coisas próximas, de resistência, artistas que estão usando sua arte como ferramenta política, de uma forma direta ou não. Mas são artistas que estão nesse front, jogando do lado da transformação social. É massa que a gente se junte, principalmente agora, que se faz tão necessário que nossa voz esteja mais ativa e com mais alcance. É importante fazer coro e o festival, para mim, é juntar várias vozes, várias culturas, várias pessoas, vários interesses em comum, num lugar só. 

Você terminou seu show falando de não arregar para esses ataques constantes que ficaram frequentes de novo contra a cultura do norte e nordeste. Como faz para aumentar esse fluxo e essa troca e diminuir o desconhecimento que muitas vezes parece existir do que acontece de verdade fora do eixo Rio-São Paulo? Começa fazendo, acontecendo. Que é o que a gente está fazendo aqui. Fazemos barulho, depois vem o que você está fazendo, que é pegar esse barulho que aconteceu e fazer isso ser visto e ouvido por outras pessoas, para elas tomarem conhecimento do que aconteceu aqui. E a consequência são as pessoas no futuro saírem de seus lugares de conforto e virem para cá ver isso acontecendo. É um movimento de construção. Não é de uma hora para a outra. As passagens ficaram caras, a locomoção não está fácil, não está simples, voltamos a um estágio em que a gente estava muitos anos atrás. Isso tudo vai gerando ainda mais barreiras, fronteiras que eles querem, eles, eu digo, o povo que está aí no poder dominando tudo e fazendo esse estrago. A gente tem que dar uma rasteira e começar tudo de novo, se juntando, realizando, aqui no norte, no nordeste, publicizando. E atrair as pessoas para virem para cá conhecer a história daqui de verdade, de perto. É um processo, um trabalho de formiguinha, dia a dia, pensando em estratégias inteligentes para fazer com que as pessoas se aproximem da nossa realidade e vejam o que está acontecendo aqui e agora. Coisas como o óleo nas praias do nordeste, por exemplo. De longe, é muito mais difícil de as pessoas entenderem e sentirem o baque que isso tudo está gerando. Acho importante que as pessoas venham para cá e para o nordeste sentir e conhecer de fato essa realidade. E a gente vai fazendo, usando o que a gente tem de ferramenta, que é a arte, para fazer isso acontecer.

Você já tinha tocado em Belém? É a primeira vez e eu gosto de olhar as pessoas, sentir como elas reagem. E senti uma coisa muito familiar. Me senti muito como se estivesse em casa, acolhida. É gente que está enxergando o artista, que não está só ali tomando uma cerveja e ouvindo uma música, mas está querendo entender o que eu estou dizendo ali. Eu me senti muito em casa. 

Nesse momento em que todos os argumentos parecem bélicos, a arte pode abrir um diálogo novo e diferente, desarmar esse momento? A arte aproxima, faz as barreiras sumirem, tem uma capacidade de alcance muito grande. Às vezes a gente fala uma coisa, com discurso, com sentimento, e bate de um jeito. Mas, quando a gente vem com a música, com a melodia, com a dança, com o audiovisual, com o corpo, é um convite muito mais lúdico para as pessoas que muitas vezes têm dificuldade de acessar um discurso que pode parecer duro e a reação imediata é a repulsa. A arte reduz um pouco essa dureza das pessoas em receber as nossas denúncias, as nossas queixas. Estamos falando de coisas muito sérias para nós, mas, com a arte, tudo isso pode se tornar um pouco mais tranquilo e reduzir essa barreira. Quando uma pessoa se aproxima do trabalho de um artista que é de um lugar, naturalmente ela pode se interessar por saber mais sobre esse lugar de origem, que tem a linguagem e a realidade que o artista está falando, mesmo que não seja diretamente. Tem esse poder de atrair as pessoas para um lugar, para a realidade de lá, para conhecer algo novo. A arte é transformadora, é a nossa salvação. É por isso que ela tem sido tão atacada, as pessoas sabem do poder que ela tem. Então, eles querem minguar e reduzir todas as nossas possibilidades de alcançar a vitória. 

Vir para cá é difícil, mas, ao mesmo tempo, quanto custa estar em um festival como o Lollapalooza, em São Paulo, ou o Rock in Rio? Essas pessoas que têm o poder aquisitivo, é mais difícil convencer elas a virem para cá, porque muitas estão vivendo em uma bolha, em que, para elas, é muito mais cômodo ficar ali e vivenciar aquilo. Mas essas pessoas precisam vir para cá, sim. Talvez esteja aí o que a gente está vivendo hoje, porque a gente não conseguiu dialogar com essas pessoas e entender e convencê-las de alguma coisa que não seja aquilo em que elas já acreditam. É o grande desafio. Como fazer essas pessoas que estão vivendo essa realidade, que não demonstram interesse em conhecer uma realidade diferente dessa, vir aqui conhecer e viver uma outra coisa, entender que existe mais para além do próprio mundo. Não sei o caminho para fazer elas enxergarem uma outra realidade, mas a gente está trilhando um caminho, que é construir, fazer e levar para lá de modo positivo, fazer uma música forte, com alcance grande e tentar fazer elas saírem do lugar de conforto e fazerem o caminho inverso. A gente começa estando aqui. Se eu estou em Belém, eu deixei de estar em outro lugar, escolhi vir para cá. E é porque eu acho importante fazer isso.

Créditos

Imagem principal: Bruno Carachesti

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