Crianças expostas ao mundo vão crescer entendendo que existem realidades diferentes das suas
Escrevo muito sobre viajar sozinha, mas na real viajo bem mais acompanhada do que parece. Ainda bem, porque viajar é uma coisa que cria laços. Por isso gosto de viajar com meu filho que, folgo em dizer, é um viajante nato: curioso, respeitoso e sem frescura. Das coisas que espero deixar como inspiração pra ele fazer quando crescer, viajar está no topo da lista (junto com o hábito da leitura, mas essa anda prejudicada na competição com Pokémon Go).
Ano passado fui ao Amazonas com ele a convite de uma operadora de turismo comunitário, que leva grupos até rincões menos conhecidos do norte do país promovendo o encontro entre viajantes e comunidades locais. Saímos de Manaus de carro para Novo Airão, pegamos um barco e fomos Rio Negro acima com amigos e turistas estrangeiros, até a divisa com Roraima. Foi uma dessas viagens que vão ficar na memória por muito tempo, com pores do sol coloridos, caipirinhas de cajá, tambaqui de banda e mergulhos no rio vendo os botos passarem a metros de distância.
Mas nem tudo foi divino-maravilhoso. A Amazônia brasileira é uma região problemática, pouco entendida por nós "do sul" e, por saber da importância de mostrar a região como ela é, o pessoal que nos levou não escondeu seus defeitos em nenhum momento. Queimadas, pesca ilegal, o desaparecimento dos animais e a constante falta do mais básico são a realidade de populações ribeirinhas. Não é exatamente o que alguém quer ver quando viaja, mas é parte do nosso mundo. E essa parte negativa conta quando decido levar meu filho comigo num rolê desses. Acredito que uma criança exposta a esses problemas vai saber enxergar o mundo para além do seu umbigo e valorizar mais o que se tem, tornando-se um adulto que compreende melhor nosso mundo. Não é essa a maior responsabilidade de mães e pais, a de criar pessoas melhores do que nós fomos?
LEIA TAMBÉM: Todos os textos de Gaía Passarelli sobre viagem
Além do mais, quando viajamos em família (mesmo uma família só de mãe e filho, nosso caso) a experiência ganha proporção especial. É um momento de conexão, de criar memórias. Algumas das melhores lembranças de infância que tenho são de viajar com meus avós pelo Brasil, de comer chocolate em Gramado, aprender sobre as pedras semi-preciosas em Minas Gerais, visitar as falésias de areia colorida em Canoa Quebrada.
O que me leva a outro ponto muito importante: você não precisa levar suas crias para muito longe. Às vezes pego meu filho e a gente "viaja" de metrô para o bairro da Liberdade, em São Paulo. Às vezes vamos ao parque. Ontem mesmo andamos no nosso bairro para caçar Pokémons. Isso significa descobrir sabores, cheiros e texturas. Significa sair de casa, sair de dentro do carro e, mesmo em pequena escala, sair da zona de conforto.
Viajar incentiva a curiosidade natural que toda criança tem. Crianças expostas ao mundo vão crescer entendendo que existem realidades bem diferentes das suas. Vão ter experiências para repartir com amigos. E quem sabe até passar esse amor pelo mundo para seus próprios filhos quando chegar a hora.
Créditos
Imagem principal: Gaía Passarelli