por Natacha Cortêz
Tpm #147

Musa da Copa. Que chorou no ar depois que tomamos 7 a 1 da Alemanha. Que sempre quis ser jornalista esportiva na Globo e chegou lá. Fernanda Gentil tem se destacado num mercado dominado por homens

Musa da Copa. A moça que chorou no ar depois que tomamos 7 a 1 da Alemanha. A menina que sempre quis ser jornalista esportiva na Globo e chegou lá. Fernanda Gentil tem 27 anos e tem se destacado num mercado dominado pelos homens. Foi escolhida para substituir Tiago Leifert no Globo esporte SP e, até dezembro, estará de segunda a sábado no ar

Se não fosse o smartphone que carrega o tempo todo, talvez Fernanda Gentil não tivesse paz pra sustentar o sorriso quase permanente, daqueles que, quando acontecem, formam covinhas e fecham os olhos puxados da mais nova apresentadora do Globo esporte SP. O barulhinho do WhatsApp, que pontua os dias em sua vida desde que se mudou para São Paulo, é o maior antídoto para a saudade de uma “sagitariana sentimental além da cota do signo”, como ela se define. E, saudade, Fernanda tem de tudo que é da terra natal, o Rio de Janeiro, mas especialmente do marido e da família, com quem mantém um grupo no aplicativo pra avisar quando e como acorda, quando e como foi dormir, entre outras coisas. “Se deixo de dar sinal de vida, eles ficam preocupados e levo bronca”, diz. A temporada paulista tem data pra acabar: em dezembro, ela volta para o aconchego carioca. 

Encontramos Fernanda em um flat no bairro do Itaim, zona sul da capital paulista, em uma quarta-feira cinza e seca, como só São Paulo sabe fabricar. Mesmo depois de uma jornada de trabalho de 10 horas e que tinha começado antes das 7 da manhã, ela é ágil, dinâmica e falante. Não só solta incontáveis palavras por minuto, como as narra rapidamente com o tom de voz alto, como se estivesse se apresentando ao vivo, de cara pra uma câmera. Foi assim até nos despedirmos, às 23 horas. 

Os primeiros sinais sonoros de seu WhatsApp começam no táxi, a caminho do estúdio onde foram feitas as fotos deste perfil. É Matheus, o marido, avisando que tinha acabado de pegar Lucas na escola. Dessa vez muito séria, ela envia uma mensagem de voz: “Evitem McDonald’s e não deixem de me manter informada”. Lucas tem 6 anos e há quatro e meio vive entre Fernanda e o pai biológico, padrinho da apresentadora. A história, ela enfatiza, é triste, mas não deve ser lembrada assim. “Minha tia morreu quando ele tinha quase 2 anos, a partir daí eu divido os cuidados dele com o pai.” Quando Fernanda está fora do Rio, Matheus faz questão de continuar a rotina que a esposa tem com o pequeno. Os dois estão casados há dois anos, e Matheus já a encontrou assim: quase mãe de Lucas. Abraçou a decisão da apresentadora “como se também fosse a dele”, diz ela. 

Lucas é o xodó de Fernanda e faz aquele sorriso com covinhas surgir só de seu nome ser citado. “Antes da hora”, deu a ela a experiência de uma maternidade doce e responsável, algo que Fernanda abraçou sem pensar, por puro amor, ou quem sabe “vocação”. “Sou daquelasque acreditam em destino e em Deus.” Católica, se cobra, apesar da rotina atribulada, ir à missa aos domingos pela manhã. Antes de cair no sono, reza e agradece, e faz o mesmo antes de entrar ao vivo na TV. “É meu ritual. Faço o sinal da cruz e peço foco e proteção.” 

Foi por causa do afilhado que Fernanda criou, ao lado do marido e de dois amigos, a Caslu, uma associação que levanta fundos pra instituições e ONGs que melhoram a vida de crianças carentes, um projeto muito importante pra ela. 

Filha de pai e mãe engenheiros, Fernanda passou a infância em Jacarepaguá e se mudou para a Barra da Tijuca aos 12 anos. Assim que completou 18 decidiu que faria jornalismo e que seguiria pelo universo esportivo porque “tinha que ter um jeito de levar o esporte pra vida profissional”. Escolheu a PUC, no Rio mesmo. Chegou a fazer promessa quando esperava a resposta da Globosat pra uma vaga na produção do canal SporTV. “Fiquei três meses sem tomar nada de álcool, e olha que eu adoro um chopinho.” Teimosa, convenceu a todos em casa de seu sonho, o que fez seus pais ficarem alertas para a presença de jornalistas esportivos por onde passavam. O primeiro currículo, Fernanda entregou pra Glenda Kozlowski em um restaurante japonês na Barra da Tijuca. Ainda na faculdade, lembra, pedia para Sidney Rezende, seu professor na época, levar seus roteiros para o Jornal da Globo News. “Colava as laudas no box durante o banho e ensaiava até decorar.” 

Não foi preciso muito tempo para a carioca, hoje com 27 anos, chegar aonde planejou. Depois de dois estágios, um deles em uma assessoria de imprensa de esportes radicais, foi repórter e apresentadora na TV Esporte Interativo. De lá, passou rapidamente pelo jornalismo esportivo da Band e entrou no SporTV. Foi pelo seu trabalho no canal a cabo que pôde cobrir sua primeira Copa do Mundo, a de 2010. Já no mundial deste ano, Fernanda foi musa unânime. De Ana Maria Braga, passando pelo Jornal Hoje, Fátima Bernardes, até o Jornal da Globo, entrou 17 vezes ao vivo na programação da Globo em um só dia de cobertura. Caiu no gosto da audiência “quase que do dia pra noite”, assume. 

“Como meu pai nunca me levou ao estádio, tive que correr atrás do tempo perdido”, essa é ela justificando sua dedicação quando o assunto é esporte, especialmente se esse esporte é o futebol. “Me preparo uma semana antes pra fazer qualquer trabalho. Estudo muito minhas pautas, sou minha maior crítica e me assisto sempre que posso. Gosto de chegar em casa e anotar em um caderninho tudo que não fiz e deveria ter feito em uma entrevista, por exemplo.”

"Percebi que ela não encaixava na caixinha'. Tem tudo para se transformar numa grande entertainer" Tiago Leifert, apresentador

Sua dedicação tem dado frutos. Tiago Leifert, queridinho da Globo que mantém um pé no entretenimento e outro no jornalismo, segue para sua terceira temporada do The Voice Brasil – e, com isso, é Fernanda quem passa a apresentar o Globo esporte. “O programa tem a cara dele, e isso é difícil, claro. Mas lá posso ser espontânea, apesar do roteiro.” Fernanda segue a escola de Tiago e o elogio do colega a ela deixa isso claro. “Percebi que ela não encaixava na ‘caixinha’. Ela tem tudo para se transformar numa grande entertainer e transbordar as fronteiras da nossa profissão”, aposta Tiago. Entertainer? Sim, porque o estilo escolhido por eles insere no esporte uma boa (e polêmica) dose de entretenimento, que na TV costuma andar separada do jornalismo.

A devoção ao trabalho não deixa tempo para muitas coisas além de “estudar esporte”. Leitura? “Você acha que dá tempo?” Para seriados ela arruma uma brechinha, mas não conhece Breaking Bad. “Assisto a Friends no DVD quando dá tempo.” Moda? Não faz muito seu tipo. “Não tenho muito jeito para escolher roupa.” Fernanda acompanha o futebol e está feliz assim. Muito feliz.

"Não levo o título de musa pra casa, ele não entra no meu currículo"

Na televisão, Fernandinha – como é chamada nos bastidores da Globo – tem seus ídolos, mas principalmente “ídolas”, reforça. Fátima Bernardes é a absoluta. “Ela é incrível e amada por todos que trabalham com ela. Como mulher e como profissional, é minha grande referência.” Fora do jornalismo, ela cita com empolgação Ivete Sangalo, de quem “podia ser melhor amiga fácil”, especialmente pelo jeitão livre de muita vaidade. Grazi Massafera e Fernanda Lima são outros nomes da lista de célebres e bem resolvidas que gosta de admirar. “Não as conheço pessoalmente, mas elas têm jeito de verdade.” No jornalismo esportivo sua referência é... Tiago Leifert.

Sem firulas
É o que ela chama de “jeito de verdade” que faz questão de mostrar na TV. Para ela, é importante passar transparência e “criar identificação e confiança no telespectador”. Por isso, nas câmeras, evita firulas que não teria na vida real e descarta maquiagem pesada, salto alto e “feminices” que não são suas. Garante que só precisa de sua pele e nada mais – “Nem hidratante eu uso”, revela. “Ninguém mais cai em personagem inventado. Não vou convencer se estiver toda maquiada e montada, porque, veja você mesma, eu não sei ser assim.”

A mãe conta que, quando criança, a apresentadora era “mais moleca que o irmão”. Na adolescência, foi incentivada a mudar. “Cresci ouvindo minha mãe dizer: ‘Seja mais feminina’. Até me esforçava, mas era inegável, eu gostava mais das coisas de menino.” Enquanto suas amigas ficavam nas bonecas, ela treinava seus primeiros movimentos no vôlei, seu esporte preferido de praticar até hoje. Já o contato com os meninos, ela mesma analisa, a fez lidar melhor com o machismo velado de sua área. “Claro que tem bem menos mulher entre os meus colegas de profissão. Mas ser uma garota nunca foi empecilho. Tento me impor e me sentir como um deles. Não tem isso de mulher e homem, mas sim profissional bom e outros nem tanto. Isso é o que define o seu lugar.”

Quanto aos fãs do futebol e os gritos das torcidas nos estádios, “se o time está ganhando, sou linda. Se está perdendo, sou barro. É uma coisa totalmente sem sentido”. No mais, Fernanda garante, exercendo sua profissão, nunca se sentiu ofendida por ninguém. “Isso não acontece porque me imponho. Sou muito abordada na rua, tem gente que chega beijando, dando abraço, mas assédio nunca aconteceu.” Já o título de musa, aquele da Copa, ela considera carinho e “só”. “Não levo o título de musa pra casa, ele não entra no meu currículo. Não significa nada além de muito carinho e identificação do público com o meu trabalho.”

Por saber exatamente onde e como quer estar, a musa da Copa do Mundo de 2014 aprendeu a lidar com situações nem tão favoráveis de uma maneira muito dela. Não foram poucas as gafes e vulnerabilidades da jornalista que caíram na internet. No SporTV, tentou apertar a mão de um cego ao vivo enquanto ele, obviamente, não via. O episódio virou piada nas redes sociais. Durante a Copa, depois do inesquecível 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil, ela caiu no choro quando entrou ao vivo no programa de Fátima Bernardes. No Esquenta, de Regina Casé, cantou “Evidências” de Chitãozinho e Xororó. No Mais você, o matinal de Ana Maria Braga, chorou algumas vezes quando foi homenageada pela família e pelos amigos. 

Para o jornalismo esportivo bem-humorado e espontâneo feito por Fernanda Gentil, a crítica especializada costuma torcer o nariz – bem diferente do que acontece com a audiência. Juca Kfouri nos responde por e-mail que assistiu à Fernanda pouquíssimas vezes, mas não gosta das “gracinhas desse tipo de jornalismo”. “Bom jornalismo é, necessariamente, crítico”, argumenta. 

Milly Lacombe, colunista da Tpm e a primeira mulher a comentar futebol no SporTV, discorda de Kfouri: vê na naturalidade da apresentadora uma qualidade que em jornalismo de TV aberta é rara. “Claro que a beleza ajuda, mas antes de qualquer coisa ela conecta um tipo de verdade que está em falta no mundo. Ela não trata o telespectador como um abobado. E não se importa de ser ela a piada. Isso também soa verdadeiro numa época em que muitos optam pelo caminho do pré-primário, que é o de ofender e diminuir na tentativa de fazer uma graça. E entende do jogo, o que acaba compondo uma trinca vencedora: beleza, naturalidade e conhecimento.”

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