“Eu tô gata e sou gostosa!”

por Rodrigo Grilo

De volta à TV, Monica Iozzi fala sobre autoestima, assédio, depressão e privacidade

Faz uma década que Monica Iozzi superou 28 mil concorrentes e entrou para o time do CQC. Os cinco anos de sucesso como repórter do programa despertaram o interesse da Globo, que a contratou em 2014. Ali, foi comentarista do Big Brother Brasil, de cerimônia do Oscar, apresentou o Vídeo Show (ganhou o Prêmio APCA, em 2015, de melhor apresentadora), atuou em novelas e séries, enquanto se mostrava bastante engajada além da TV. Há algum tempo, ela ousou recusar alguns trabalhos na emissora carioca porque queria se ver um pouco mais distante do humor e mais perto do drama. Vieram então participações nas minisséries Assédio e Carcereiros.

Atualmente, Monica vive Kim, em A Dona do Pedaço, nova novela do horário nobre da Globo. A atriz achou sua personagem tão diferente que pediu à diretora Amora Mautner para platinar o cabelo e assim ter outra cara.

Antes de se tornar atriz, Monica vendeu roupa em shopping center, trampou em biblioteca e livraria, depois que sua família encarou uma tragédia — seu pai morreu eletrocutado, quando ela tinha 16 anos — e ela teve que amadurecer da noite para o dia. Na entrevista a seguir, ela fala sobre tudo isso, além de autoestima, assédio, depressão e privacidade:  

Tpm. É verdade que antes de aceitar o papel em A Dona do Pedaço você teria recusado vários outros na Globo porque queria dar um tempo do humor?
Monica Iozzi. É verdade o fato de eu negar trabalhos para fazer algo completamente fora do humor, mas nem tanto assim. Nos últimos tempos, decidi não mais apresentar programa e não fazer mais comédia. Foi o CQC que me introduziu nessa área, que eu adoro. Mas comecei a me questionar se poderia criar algo novo, porque me via muito repetitiva. A Globo entendeu e passamos a pensar caminhos. Fiz, então, uma participação nas minisséries Assédio e Carcereiros, além de cinema. Agora, a minha personagem em A Dona do Pedaço é extremamente excêntrica e em alguns momentos será cômica. Então, não estava fugindo completamente do humor, mas precisava experimentar outras coisas.  

Como aconteceu em Assédio, você é conduzida na novela pela Amora Mautner. Como é uma direção feminina? É essencial que uma mulher esteja na direção em obras cujos temas para nós, mulheres, são mais doloridos, como assédio, maternidade, machismo, violência contra mulher. Acho muito difícil um homem conseguir dirigir um trabalho sem ter tido o mínimo de acesso a essas dores. Enfim, a gente se comunica de maneira mais fácil e contribui mais com as mulheres que estão assistindo. Mas também tive a sorte de trabalhar com diretores muito bons. A minissérie Assédio falou sobre um crime, o de estupro, e foi importante porque enalteceu a força das mulheres que se uniram para denunciar o médico e fazê-lo pagar pelos crimes.  

Que tipo de assédio já sofreu? Todo mundo já sofreu assédio de alguma maneira, seja pelo colega de trabalho, que insistentemente dá em cima de você, seja pela pessoa que passa a mão em transporte público. E isso já aconteceu muito comigo, porque andava muito de trem quando morava em São Paulo. Enfim, todo mundo conhece uma mulher que já foi estuprada. Eu, que vivo em uma cidade com grande estrutura, tenho três amigas próximas que já foram. Sempre trabalhei em ambientes muito acolhedores até o dia em que fui para Brasília. Lá, o ACM Neto em uma entrevista foi pegando na minha cintura. Com o tempo, o povo da capital federal foi percebendo que coisas assim não seriam mais possíveis. Nos bastidores, porém, havia gente que mandava recado, enviava presente, enfim, momentos nada agradáveis. Imagina, até 2016 não havia banheiro feminino [na Plenária do Senado]! É uma boa referência para quem quer imaginar como a mulher é tratada naquele ambiente.

Você foi uma das cabeças do movimento MexeucomUmaMexeucomTodas que denunciou o assédio cometido pelo ator José Mayer. O MexeucomUmaMexeucomTodas, é importante lembrar, surgiu graças às funcionárias de várias áreas da Globo. Nós, atrizes, demos visibilidade. Entrei na dramaturgia da TV em 2014, quando a gente começou a bater nessa tecla de forma contundente. Estamos em um momento no qual o cara disposto a nos assediar irá pensar duas ou três vezes antes. No geral, as atrizes e profissionais estão mais protegidas porque esse tipo de coisa tem sido denunciada.

Você teve de desembolsar uma indenização de R$ 30 mil ao ministro do STF, Gilmar Mendes, por difamação, quando o criticou por conceder habeas corpus a Roger Abdelmassih. É caro demais ser uma ativista atuante nas redes sociais? Eu me comporto nas redes sociais do mesmo jeito que faria se tivesse uma profissão que não lidasse com o grande público. O olhar das pessoas muda um pouco quando você começa a trabalhar na TV. E queria mudar o mínimo possível a minha rotina, o meu jeito de levar a vida, de me relacionar com as pessoas. E a forma de me apresentar nas redes sociais está ligada a isso. Não deixarei de defender uma causa, de falar o que acho importante, por ser uma pessoa que trabalha na TV. A Nina Simone dizia que o artista tem que questionar o tempo. Agora, estou em uma busca apaixonada por fazer trabalhos com conteúdos que chamam a atenção para o que a gente vive. Ao final da novela, tenho projeto de produzir uma peça e um filme com temas que façam a gente parar para pensar, reavaliar coisas. Senti isso vendo Roma, Aquarius, O Som ao Redor... A arte faz sentido quando consegue nos dar um chacoalhão. Tô em busca disso.

O interesse por política e causas sociais eram pautas na sua casa? Meus pais sempre foram pessoas justas e generosas. Lembro de jovens que precisavam de trabalho serem acolhidos pelo meu pai. Minha família tem formação católica e era presente em ações da igreja e em outros atos em prol de solidariedade. Se ver coisa errada na rua, minha mãe se mete no imbróglio. Nunca esqueço também o dia em que viajamos para a praia. Eu era pequena e o meu pai tinha uma Belina. Um guarda rodoviário parou a gente e pediu um cafezinho para não aplicar uma multa por excesso de velocidade. Meu pai falou: “Acho que não consigo ajudar o senhor com cafezinho, não. Tô sem dinheiro trocado aqui. Pode dar a multa”. Essas coisas moldam quem a gente é. Quando o meu pai morreu, tinha muitas pessoas no velório que eu nunca havia ouvido falar na vida. E cada uma me contava histórias do que ele fez por elas.  

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Como foi a morte do seu pai? Ele morreu em um acidente de trabalho. Aliás, é ótimo falarmos sobre isso. Nunca falo porque... odeio a ideia de me vitimizar. Foi uma morte chocante: ele era eletricista e morreu eletrocutado. Faleceu por falta de cuidado no ambiente de trabalho. É gigantesco o número de pessoas que morrem desse mesmo jeito. Atualmente, há uma medida provisória que pretende eximir a empresa de responsabilidade pelos acidentes com os funcionários no trajeto do serviço. Estamos tendo muitos retrocessos e não existe mais nem o Ministério do Trabalho para a gente reclamar! Não posso dizer que o meu pai talvez não tivesse morrido se estivesse trabalhando com uma estrutura melhor. Mas a gente vive um momento no qual, se a gente não falar, alertar, coisas do tipo irão acontecer cada vez mais.   

Depois de perder o pai cedo, aos 16, como e quando trabalhou isso? É muito difícil, uma pancada quando se perde alguém que saiu de casa para trabalhar e nunca mais voltou. Demora para deixar de se sentir tonta, entender que aconteceu de verdade. A vida é o inesperado, né? Precisei crescer rapidamente. Eu, a minha mãe e irmã ficamos fora do eixo. Um dia, eu era criança, apesar dos 16 anos, e no outro tinha de me mexer para trabalhar. A gente precisava sobreviver, acudir uma a outra quando uma chorava desesperadamente. Minha irmã vendia fruta na faculdade. Eu trabalhei em eventos, vendi roupa em shopping. A minha mãe teve carrinho de cachorro-quente. Há coisas emergenciais e isso tem um preço: questões ficam sem tempo de serem elaboradas. Eu demorei muitos anos, mas muitos anos mesmo, para me curar da morte do meu pai.

Quanto tempo? Entendi como viver aquela tragédia uns dez anos depois. Tive um período de depressão muito longo. O meu pai era uma pessoa excepcional, meu amigo. Contei para ele o meu primeiro beijo e não para a minha mãe. Ele me deixava segura, estava ali para o que eu precisasse. De repente, não estava mais. Muita coisa a se elaborar, enfim. Mas a minha mãe é muito foda! Foi excepcional e fez tudo o que foi possível para deixar a gente mais confortável. Dona de casa há mais de 20 anos que, de repente, tirou da cartola um trabalho para nos manter. É interessante falar sobre isso, porque eu tive depressão por muitos anos e em boa parte deles não sabia o que acontecia comigo. Fui me sentir melhor quando procurei profissionais competentes.

Anos de terapia? Descobri o que se passava e encarei um tratamento. Mas só pude fazer isso depois que tive dinheiro. Durante muitos anos, fiz terapia com uma psicóloga de abordagem junguiana. Comecei em 2010 e tive alta no ano passado. Mas não deveria ter tido [risos]. Interessante pensar como a saúde mental é negligenciada, porque é muita cara. Penso em quem não tem informação, acesso a bons profissionais.

Existe algum paralelo entre você e a Kim, sua personagem em A Dona do Pedaço? Pela primeira vez, digo categoricamente: não! Achei a Kim tão diferente de mim que pedi para a Amora Mautner deixar eu platinar o cabelo para ter outra cara. Nunca havia pensado em fazer isso na vida. A Kim é uma pessoa do tipo que magoa alguém e quer mais que a pessoa procure uma terapia para resolver a questão. E eu sou o contrário. Mas é muito gostoso viver um personagem que foge do nosso universo. Kim é uma especialista em internet, responsável pela carreira da digital influencer interpretada pela Paolla Oliveira. É prepotente, trata as pessoas no estilo “meu bem, você sabe com quem está falando?”. E também é cômica e tende a se apaixonar por homens sem muito dinheiro e nada refinados.

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E as reações a esse seu loiro-platinado? Sinto que, quando passeio com o meu cachorro, olham mais para mim. Aumentou o número de pessoas – principalmente homens – olhando, fazendo gracejos. Mas o meu loiro é gritante e eu sou uma mulher grande. Até eu me olharia na rua. Quero deixar claro, porém, que jamais pensei em raspar o cabelo, porque estaria odiando ser assediada, como ouvi gente dizer por aí. Não fui assediada, apenas estou chamando mais a atenção.  

Quais cuidados têm com o corpo? Eu me acho linda! Eu me acho linda!

Pô, tá bem claro agora. Eu acho que sou muito linda [risos]. É verdade! Desde a adolescência, a gente é cobrada por todos os lados. Quem é a menina mais paquerada da escola? Quem está na capa da revista para adolescentes? Quem está fazendo sucesso? Não era caso de sofrimento, mas nunca fiquei feliz com a minha aparência. Passei a entender que poderia ser bonita do meu jeito lá pelos 17, 18 anos. De lá para cá, entendi que o meu rosto é este e é com ele que vou lidar. Gosto dele e não vou permitir que alguém me diga o contrário.

Você já considerou intervenções cirúrgicas? Sinto falta de me exercitar mais e não apenas por causa da parte estética, porque depois dos 35 tudo cai. Tu-do cai! Mas, ó, eu lido muito bem comigo. Eu me acho gata! Acho mesmo... Tô gata e sou gostosa! É que eu escondo o jogo [gargalhada]. O público tem de saber! E isso vale para todas nós, porque é importante começarmos a exercitar o discurso. A gente fala tanto de empoderamento e, para nós, que estamos na frente das câmeras, tudo isso é tão mais pesado, sabe? Claro que eu poderia recorrer a um monte de coisa e estar próxima de um padrão, mas essa perda de tempo me incomoda. Não quero entrar nessa. Tô tentando achar esse equilíbrio. Não é porque você está na televisão que precisa ter todos os músculos definidos. Admiro, mas eu tenho preguiça. Prefiro jogar videogame. Posso mudar de opinião daqui um ano? Posso. Gosto dessa sensação de liberdade.

Faz dez anos que você superou 28 mil concorrentes e entrou para o time do CQC. Lembra disso? Esse foi o divisor de águas da minha vida. Na época, não conseguia mais me manter em São Paulo e havia retornado para a casa da minha mãe, em Ribeirão Preto [SP], para me re-estruturar. Não queria abrir mão do meu sonho de ser atriz para o qual eu estudei por muito tempo. Aí, surgiu o concurso para o CQC. Trabalhava em recepção de eventos e peguei o meu terninho, uma gravata emprestada de um amigo, uma camisa de outro, consegui uma câmera com um amigo do meu primo e fui para a rua reproduzir quadros do CQC. Foi uma amiga quem me avisou pelo Messenger que eu havia passado no concurso. Achei que fosse trote e liguei na Band para saber se era verdade [risos]. Além de uma mudança muito brusca, eu não estava esperando por ela. Bom, uma vez nela, eu me diverti, conheci o Rafael Cortez, por quem eu era apaixonada. Lembro o dia em que resolvi jogar o meu nome no Google. Aí, eu entendi! Foi um processo muito inesperado e feliz.

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Como você lida com as fofocas? Eu tô na mira da galera que faz fofoca, talvez, porque não me interesso em falar da minha vida pessoal. Não tenho nenhum interesse pela vida íntima dos artistas que admiro, por exemplo. Não sei se a Juliane Moore é casada, tem filhos... E não vejo o porquê de eu ser alvo. Tô sempre namorando... Prefiro que me fotografem bêbada, tropeçando, a ter de mudar o meu comportamento. Sou humana. Quero poder ir à praia e tirar uma foto sem preocupar com celulite, beijar um gatinho na balada – se eu estivesse solteira, deixemos isso claro –, sair sem maquiagem. Quando publicam mentiras, se não é nada agressivo, eu dou risada. E as pessoas, na boa, acreditam também no que elas querem. Não adianta eu mudar a minha vida por causa de fofoca.  

 

Créditos

Imagem principal: Faya/Divulgação

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