Tossir pode ser uma coisa chata, mas simple, para você. Para Mara Gabrilli, não é tão fácil
Saí do almoço, entrei no carro em direção ao próximo compromisso, como faço todos os dias. O motorista ajeitou minha cadeira de rodas numa rua estreita e vazia, onde desci em meio a uma garoa muito fina que acompanhava a temperatura gelada. Atravessei no clima úmido e desemboquei numa sala de aula cheia de alunos adultos com deficiência. Eles estavam participando de um curso de capacitação para o mercado de trabalho. Conversei durante 15 minutos com eles.
Deixando o ambiente já comecei a tossir. Durante a noite, meu corpo já estava totalmente alterado. A minha cabeça latejava parecendo não mais caber dentro da caixa craniana, meus músculos contraíam involuntariamente – e de forma violenta. A minha bexiga descontrolada me obrigava a fazer xixi de hora em hora. Ainda fui gravar meu programa de rádio, pois o entrevistado vinha de fora de São Paulo. Conforme entrevistava, meu corpo se jogava quase caindo da cadeira, fazendo minha cabeça desaparecer embaixo da mesa. Minha assistente teve de ficar de prontidão me aprumando. Estou de cama escrevendo este texto. É algo raro eu ficar doente. Esta revista comemora oito anos e não me lembro, mesmo antes disso, de uma gripe tão forte.
Quando fico com tosse minha vida para, pois não tenho força para tossir. Se houver catarro, preciso da ajuda de alguém para me apertar. Chega uma hora em que meu corpo morre de dores e fadiga. O que é isso que me obrigou a ficar numa cama por oito dias? Fiquei pensando o que eu deveria pensar. Não me lembro também de ter estado tão triste. Pensar que eu, minha mãe e meu irmão não nos falamos por radicais diferenças de princípios, que meu pai não está bem de saúde e parou de falar com todo mundo, que o meu namorado ultimamente só tem olhos para o que não está bom. E aqui no delírio da febre, me ocupando de xarope, mel, limão, alho, termômetro, fluidificador, Amoxicilina, inalação, remédio, chá de gripe, Aspirina, vitamina C em variedade. Quando termina o ciclo já começa tudo de novo. E ainda tendo que comer sem fome.
Noites em claro tentando tossir.
Nada é tão simples
Acomodada para dormir, recomeça a secreção. Minha assistente me colocou sentada na cama e me abraçou por trás apertando minha barriga, depois, de bruços, de barriga para cima com os joelhos no peito, de lado, de cabeça para baixo na bola e sempre recebendo apertos no abdome e na caixa toráxica para ter força para tossir. Cheguei a ficar umas quatro horas seguidas nesse processo e ainda sem conseguir tirar tudo do peito. Na sequência, fico sentindo meu corpo como se tivesse sido atropelado por um Scania. O cansaço é tanto que até chorei sem saber por quê. Foi quando me lembrei das crianças com distrofia muscular que também não possuem força para tossir. Liguei na Abdim (Associação Brasileira de Distrofia Muscular) e me emprestaram um superaparelho que me ajuda a tossir. A máquina se chama Cough Assist e tem uma máscara que envolve o nariz e a boca e, por segundos, libera um vento forte hiperventilando o organismo e, depois, com a mesma intensidade, suga o ar de dentro ajudando a tirar a secreção. Após cinco noites de terror, pude dormir sem ter que apanhar para tossir.
Soube que existe um pleito para que o SUS distribua o Cough Assist. Eu posso entender por quê. E vou lutar por isso.
* Mara Gabrilli, 40 anos, é publicitária, psicóloga e vereadora por São Paulo. Fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP), é tetraplégica e foi Trip Girl na Trip #82. Seu e-mail: maragabrilli@camara.sp.gov.br