Ela vai rasgar o céu

por Mariana Caldas
Tpm #97

Letícia Novaes, da banda Letuce, faz sua estreia ao lado do namorado Lucas Vasconcellos

Tpm+ Bate-papo com Letícia Novaes, da banda Letuce

 

No palco Letícia Novaes é diva. Os movimentos são leves, naturais, e a sintonia com seu par e namorado, Lucas Vasconcellos, é sentida de longe. Enquanto ela envolve com sua voz forte, seu vestido preto, seus broches e sua polaina dourada, ele a acompanha. Chega devagar, de repente, e passa sua guitarra por cima dela. É um abraço forte, que dura pra sempre e termina em um minuto.

Em outubro de 2009 a dupla lançou o primeiro disco da Letuce. E, aos 28 anos, Letícia está sentindo o gostinho do orgulho. “Nosso disco é forte, é sagitariano e, o mais importante, foi feito com calma”, diz, passando a mão na tatuagem de tartaruga que tem no ombro direito. Agora, calma é a sua palavra de ordem.

No dia seguinte ao show de estreia em São Paulo, ela chega para esta entrevista com um sorriso no rosto. De calça verde, casaco vermelho e bolsa de regador, escolhe uma mesa do lado de fora de um café, com vista para a avenida Paulista, e me leva para passear no seu mundo de palavras bonitas.

Carioca da Tijuca e atriz formada pela CAL (Centro de Artes de Laranjeiras), é naturalmente engraçada. Já fez stand up comedy com as suas próprias histórias e sabe muito bem explorar o seu humor espontâneo no palco. Mas não é só isso, Letícia não tem medo de sentir o amor. Acha revolucionário poder amar alguém e faz dele a sua inspiração diária. Prefere ser chamada de compositora antes de cantora, e nunca se esquece de como gosta de escrever. Suas poesias viram musica, e seus contos ainda vão virar um livro.

Mas sem pressa. Por enquanto, ela anda espalhando o amor da Letuce por aí, e se prepara para começar as gravações do filme Qualquer gato, de Tomas Portella, que deve chegar aos cinemas ainda este ano. Tudo indica que este vai ser um bom ano para Letícia. Ela vai além, vai rasgar o céu.

Você tem 1,83 de altura e não tem medo de ousar. Como é na hora de ser vestir?

Um dia reparei que se saísse de moletom ou de meia calça laranja as pessoas iam olhar pra mim, de qualquer maneira, antes de eu chegar. Então, pensei: “Já que é assim, vou fazer o que quero, mesmo”. Eu me divirto, mas ser alta também ajuda.

No palco também. De onde vêm aqueles broches?
Quando a gente tava bolando o nosso show de lançamento decidi que não ia usar vestido estampado, tava muito na moda. Preferi um vestido preto, mas queria fugir do superbásico. E adoro brinquedo, tenho muitos ainda. Um dia olhei pra eles e decidi que precisavam de um ar novo. Fui para o Saara com o Lucas, compramos várias bases de broche e ficamos colando. Tudo virava broche. Um dia, de repente, eu uso um vestido de broche...

Como você conheceu o Lucas, seu namorado e parceiro de banda?

Temos uma amiga em comum, mas antes de a gente se conhecer ele comentou no meu fotolog. Eu tinha postado um texto de A Paixão Segundo G.H., da Clarice Lispector, e no final dizia: “Não quero mais ler, parei”. E ele escreveu: “Não para, não. Essa é a cartilha da paixão, do amor”. Logo depois foi aniversário da nossa amiga. Umas duas horas da manhã a campainha tocou, sabia que era ele, não sei por quê. Levantei e fui andando pelo corredor, dei dois beijinhos nele, “Oi, prazer”, pensando: “Minha vida vai mudar agora, minha vida vai mudar agora”. Uma coisa muito esquisita que nunca tinha sentido na vida. Ficamos até as 7 horas da manhã conversando. Mas foi difícil.

Por quê?
Não acredito em amor à primeira vista, senti uma coisa muito forte, mas amor se constrói, não adianta. No nosso caso foi difícil porque a gente sentiu que ia ser transformador. Não ia ter volta. Foi intenso, demoramos um mês para ficar, mais uns três meses para começar a namorar. E gosto que tenha sido assim, foi a ordem natural das coisas. Já atropelei muita relação, e decidi que com o Lucas ia respeitar o que estava acontecendo. E foi assim, já namoramos há dois anos.

E como começou a Letuce?

Não sei. Foi muito natural, a gente nunca virou e falou: “Vamos fazer uma banda?”. Estávamos namorando, a vida dele é música e a minha também, então a gente fazia música. Aí os amigos começaram a gostar, falaram para a gente fazer um MySpace, depois para fazer um show, e fizemos... Foi assim.

Isso foi quando?
Nosso primeiro show foi em outubro de 2008, um ano depois que a gente se conheceu. E as pessoas sempre foram muito carinhosas, elas ficam sensíveis, querendo esse amor pra elas também. No show de lançamento do CD, em São Paulo, uma menina me abraçou chorando. Perguntei o que tinha acontecido e ela disse: “Este show, este abraço de vocês mexeu muito comigo”. Também teve um casal do Sul, uma outra vez, que me disse: “A gente tava numa fase ruim e quando descobrimos o CD de vocês alguma coisa mudou no nosso namoro”. Gosto disso, gosto de provocar essa sensação amorosa nas pessoas.

E aquele abraço no fim do show, tem história?

Tem. Quando a gente nem tinha ficado teve uma festa na minha casa. Ele tava tocando violão olhando pra mim, eu tava em pé, dançando na frente dele. De repente ele pegou o violão e colocou em volta de mim. E foi muito forte, porque era o instrumento de trabalho dele e eu tava no meio. No final, rimos sem graça e ficou por isso. Um ano depois, no nosso terceiro show, ele começou a vir pra perto de mim no palco e eu pensando, “O que ele vai fazer?”, e aí ele me deu o abraço e foi muito intenso. E é cada vez mais.

Você se respeita muito, o que sente, os seus limites? No show de estreia do CD, em São Paulo, você disse que andar de mão dada é muito mais íntimo do que transar...
Muito, nossa. Lembro que uma vez eu tava ficando com um menino, aí ele pegou na minha mão e eu soltei. É que mão dada pra mim é muito amoroso, e ele não tava sendo amoroso, só tava seguindo a cartilha do que fazer quando se está com uma menina. Ele estranhou, dei uma disfarçada, mas entendeu. Tanto que anos depois a gente se encontrou e ele disse: “Entendi o seu lance de dar a mão.”

E você se permite sentir o amor...
O amor sempre foi um assunto na minha vida. Escrevia sobre o amor, tatuei o amor [mostra a tatuagem de dois corações dentro de um liquidificador no braço esquerdo], só falava de amor... Acho revolucionário você amar alguém.

Essa tatuagem foi antes do Lucas?
Foi. Pra mim, amor é vitamina. É turbulento, mas vai ser gostoso no final.

Como é trabalhar com o namorado?
É bom, porque a dinâmica fica muito parecida, a gente fica excitado, ansioso e cansado juntos.

Vocês brigam?
É claro que a gente briga. E gosto de brigar. A vida também tem suas zonas sombrias... Odeio quando ficam “Ah, vocês são perfeitos, nasceram um para o outro.” Não somos perfeitos. Mas a gente acredita e gosta muito. Adoro, antes de falar que amo. Tenho uma adoração pelo Lucas, pelo que ele é, pela educação e gentileza dele. Mas, no fim das contas, acho que a briga sempre parte mais de mim.

Você é ciumenta?
Sou o que as pessoas chamam de ciumenta, mas o meu ciúme é real e ele sabe disso. Agora é mais tranquilo. O problema é no início do namoro, quando as pessoas ainda não sabem que vocês estão juntos. O Lucas teve alta da análise, é zero ciumento, era o gatinho da escola e não teve uma infância de bulling.

E você teve?
Sim, e era pesado, era grosso, horrível. Hoje já consigo saber que chamo a atenção, que sou bonita. Mas foram 14 anos não acreditando nisso. E tenho 28 anos, então, são mais anos de gente me zoando do que dizendo que eu sou legal. Melhorei muito, vi a vida, mas essas coisas ficam. Minha zona sombria é essa, a autoestima.

Depois da escola você foi para a faculdade de Letras?

Fui. Mas tinha muita gente querendo ser professor. Um bando de normalistas... Nada contra, mas é limitado. E eu queria ser escritora, queria debater as coisas e tudo era regra, norma, gramática. Quase mudei para filosofia, mas lembrei de como tinha sido bom quando fiz teatro na escola. Aí entrei na CAL, e foi incrível. Só que, no final, eu já tava um pouco enjoada. Teatro é muito intenso, mexe com muita coisa, família, autoestima, nudez, sexo, drogas, rock’n’roll... Tudo era performance. Vida, morte, luz. Paixão, fogo, água. E sou muito normal também. Adoro minha vida, sair pra tomar um suco, sei lá, cocô, xixi, meleca...

Você teve outras bandas?

Tive. A primeira foi a Letícios, uma banda de rock que fiz com uns amigos da Tijuca. Foi ótimo, começamos a fazer uns shows, e achei a musica muito livre. Depois fiz uma banda de musica eletrônica, a Ménage à Trois, com o João Brasil. Mas sempre tive um mundo dos diários, sempre escrevi muito e sabia que aquilo que eu tava fazendo não tinha saído de um dos meus diários.

E você já conseguiu musicar seus diários?
Já. Quando comecei a compor com o Lucas foi muito diferente, comecei a abrir o meu diário, e foi demais. Era uma sensação muito boa, porque eu olhava uma frase, e lárárá, já virava música. A maioria das letras são minhas, mas o Lucas sempre mexia em uma frase que eu tava em dúvida e ficava perfeito. E nunca tinha conseguido compor com ninguém. Tinha que ser ele.

No show de lançamento aqui em São Paulo você disse que tem amor pela língua portuguesa. Como é o seu processo criativo?
Pois é. Tenho essa preocupação primária com a letra. É muito importante pra mim. E o meu processo criativo é muito natural, vem de coisas que não são musicais, das coisas simples, de todo dia. Vamos tomar um suco na padaria e a cor do suco é tão bonita, ou estamos em casa e não tem nada para comer além de atum, e assim vai... “Êxodo Lunar” eu fiz porque senti ciúme. A gente tava numa festa, fui pra um canto, comecei a escrever e transformei aquela insegurança. Hoje nem lembro que senti ciúme.

O Letuce se sustenta?
Ainda não dá lucro, mas tudo bem. Quero fazer tudo com calma. Nunca tive vontade de ser famosa. Não gosto dessa malandragem da fama, de ter vantagens só porque você é famoso. Tenho vergonha disso. Quero que as pessoas gostem da minha música. Porque música é pra sempre.

O Lucas disse uma vez que a Letuce é a Letícia em forma de música. E pra você, o que é?

Pra mim é mais. A Letuce é o meu coração com o do Lucas num liquidificador. Porque tem muito dele também. Ele me lapidou, me musicou e me mostrou que essa podia ser a nossa vida. O Lucas é musico mesmo, e, quando eu vi o trato e a delicadeza com que ele lida com a música, percebi como é bonito ser amiga da música. Ele já é amante, eu sou amiga ainda.

Vai lá: www.myspace.com/letuceletuce; próximo show: 15 de abril, às 20h, no Teatro Sérgio Porto, Rio de Janeiro, RJ – r. Humaitá, 103, (21) 2266-0896, R$ 20 (estudantes pagam meia)

 

fechar