A paixão nos deixa como uma criança que precisa da constante atenção da mãe. Mas ser uma boa companhia começa a sós
Estar só é diferente de ser solitário, ficar confinado, eremita, ser abandonado. O psicanalista inglês Winnicott usava a expressão “capacidade de estar só”, dizendo que muito se havia escrito sobre o medo, ou mesmo sobre o desejo de ficar só, mas nada sobre a capacidade de fazê-lo. A imagem que ele nos deu para ilustrá-la é a dos momentos em que uma criança bem pequena brinca sozinha e distraída do mundo, estando na presença de sua mãe. Com o tempo, a figura da mãe, e toda a proteção que ela representa, vai-se transferindo de fora para dentro, vamos construindo a identidade necessária para suportarmos estar a sós. Afinal, se sabemos que somos alguém, nós mesmos não somos tão má companhia. Mas, se isso fosse fácil, não se exigiria tanto do amor.
Cabaninha para um
Diz, mais e mais, que me ama! Pensa em mim o tempo todo, olha pra mim, mas só pra mim! A paixão nos deixa como a criança que não consegue se distrair da presença da mãe, não brinca, fica só chamando sua atenção. Na verdade, quando o fogo da paixão se aplaca, os amantes ficam livres dessa dependência visceral um do olhar do outro. O amor não acaba quando reencontramos nossa capacidade de estar a sós – provavelmente, é aí que ele mostra sua vitalidade: ocorre apenas que o ser amado está bem guardado. Está lá sem que a gente precise conferir o tempo todo.
Então, por que queremos estar sempre apaixonados? Se esperamos tanto do amor, é porque nos sentimos demasiado frágeis, e é duro acreditar que é dentro de nós mesmos que deve haver um abrigo seguro. Eu tenho uma imagem desse lugar para estar só: embaixo da mesa de um quarto que tive quando criança. Ela tinha apenas uma perna, de tal modo que um lençol jogado por cima a tornava uma espécie de cabaninha, minha árvore particular sob a qual me escondia para brincar, a construção de um espaço para ficar sozinha e me sentir bem. Se fosse fácil, não precisaria me entocar, nem seríamos uma sociedade tão romântica...
Certos amantes são como os bebês brincando de esconde-esconde, ocultos atrás da cortina. Naquele vulto visível de pano reina a expectativa do júbilo de ser descoberto e o pânico da solidão: serei esquecido aqui para sempre? Uma idéia é parar de se queixar, construir uma cabaninha para onde recuar e tentar se lembrar de que existimos mesmo quando não tem ninguém olhando.