Eles causam frisson nas drogarias, têm cara de remédio, mas funcionam como produtos de beleza. A nova fronteira da dermatologia está bem aí: no ponto em que se encontram cosméticos e ciência
São Paulo, Shopping Iguatemi – o mais sofisticado de São Paulo. São 15h de uma terça-feira qualquer. É em uma drogaria que o entra-e-sai de gente e o movimento dos caixas chama a atenção. Basta entrar para xeretar e descobrir o segredo do sucesso. Nos fundos da loja, próximo à bancada de medicamentos, um corredor exibe displays contendo toda a gama de produtos específicos para o tratamento da pele. Com nomes complicados, caixinhas que, de longe, lembram as dos remédios e preços quase sempre nas alturas, cada um deles promete maravilhas: hidratação profunda, clareamento de manchas, pele esticadinha, rejuvenescimento. As clientes, quase sempre, têm à mão uma receita médica.
Estamos falando da era dos cosmecêuticos. Ou dermocosméticos. Quem procura uma definição oficial para o termo não vai encontrar. Até mesmo entre os especialistas há divergências sobre o assunto. Para o homem que batizou essa categoria, Albert Kligman, da Faculdade de Medicina da Universidade de Pensilvânia, nos Estados Unidos, o cosmecêutico encontrase em algum lugar da escala entre o cosmético e o medicamento. Continua sem entender? Então saca só: um medicamento para a pele busca efeitos terapêuticos a curto prazo. Para isso, pode ter ingredientes ativos em altas concentrações, o que pode render efeitos colaterais desagradáveis. Só para ter uma idéia, o ácido retinóico (a forma ácida da vitamina A) é um ingrediente que só é permitido em remédios. Ele é o queridinho dos dermatos, porque realmente reduz rugas, clareia manchas, combate a acne. Mas provoca uma série de efeitos colaterais, como vermelhidão e aumento da sensibilidade ao sol. Por isso, só pode ser vendido com prescrição médica. Entram nessa categoria os produtos produzidos em farmácias de manipulação.
O cosmecêutico é de venda livre. Mas tem substâncias que podem, mesmo que de forma sutil, alterar as funções da pele. Por exemplo, o retinol (derivado alcoólico da mesma vitamina A), que pode ser usado em cosméticos em concentrações que chegam a 1%. “A ação, no entanto, é bem suave”, pondera Mônica Azulay, professora de dermatologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A longo prazo, ele reverte alguns dos sinais do envelhecimento, reduzindo a profundidade das linhas de expressão, melhorando a textura e a hidratação da pele e prevenindo o aparecimento de novas rugas. A segurança, no entanto, é muito maior: não costuma haver reações adversas a essas substâncias.
O cosmético-cosmético é mesmo um mero embelezador, de efeito temporário. Entram nessa categoria esmalte, batom, sabonete... Falando assim, dá para pensar que, hoje, quase tudo é cosmecêutico. Vá encontrar um creme (ou mesmo um batonzinho) sem vitamina, proteína, ácido ou alguma combinação de todos esses ingredientes juntos. Pois é isso mesmo. Teoricamente, todos esses produtos aditivados são mesmo maravilhas da cosmética moderna. Difícil é saber se são eficazes.
Daí é que alguns grandes laboratórios decidiram adotar uma estratégia diferente para ganhar a confiança dos consumidores e provar que funcionam: partiram para a conquista dos dermatologistas. “Eles apresentam pesquisas que justificam a escolha de determinados princípios ativos e a sua concentração dentro daquela fórmula”, explica Adriana Leite, da Sociedade Brasileira de Dermatologia. A partir da avaliação de todo esse material é que os médicos vão decidir se vale ou não a pena receitar os produtos para cuidar da pele de seus pacientes. Para o fabricante, as vantagens são inúmeras: o médico é capaz de identificar quais as melhores combinações de produtos e a melhor maneira de utilizá-los em cada caso. Aí, a paciente-cliente fica mais satisfeita com a marca e vai contar para as amigas, que vão querer usá-la também. Desse jeito, quem precisa de propaganda?
Na hora de passar pela caixa registradora, cada creminho superpoderoso ultrapassa, quase sempre, a casa dos dois dígitos de reais. Mas não se trata de abuso, não. É preciso investir muito em pesquisas para desenvolver meios de o produto tornar-se mais eficaz. Matérias-primas de qualidade, novos ingredientes, cápsulas minúsculas capazes de alcançar as camadas mais profundas da pele, embalagens capazes de manter a estabilidade dos ativos por mais tempo, tudo isso encarece o produto final. Mas vale a pena. (colaborou Luciana Hruby)