Carta aos Ministros do Supremo

por Mara Gabrilli
Tpm #68

Assim como alguns não acham “justo” usarmos embriões, que provavelmente seriam jogados no lixo, para a pesquisa com células-tronco, seria bacana se as testemunhas-de-jeová lutassem para que ninguém pudesse receber uma transfusão de sangue?

Alguns meses, após o acidente que me deixou tetraplégica, foram suficientes para entender que o pior já havia acontecido e que dali em diante eu lutaria sem limites pela vida para ter saúde e felicidade. Essa frase passaria por piegas se não movesse meus passos em busca de pesquisas que revertessem o quadro de pessoas com doenças degenerativas consideradas fatais. Mesmo sem mexer um músculo do pescoço para baixo, a minha produção diária busca vida para todas as dimensões a que me dirijo. Ter um corpo paralisando, a cada dia sugere uma implacável luta contra a morte.

Em 2005 reivindiquei, junto a cientistas, médicos, pacientes e familiares, a colocação da Lei de Biossegurança em pauta para votação e aprovação dela — no seu quinto artigo, permite pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias. Qual não foi minha decepção e tristeza, dois meses depois, quando o então procurador-geral da República Cláudio Fontelles entrou com uma ADIn (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra esse artigo, alegando ferir a constituição quando ela dispõe sobre o “direito à vida”.

Isso porque, para essas pesquisas, foi autorizado o uso de embriões congelados há três anos, com prévia autorização dos pais. São embriões gerados por fertilização in vitro.

Cerca de 2% a 3% dos casais que não conseguem gerar filhos precisam de uma fertilização. E, para que ela possa ser eficiente, não há maneira de produzir um único embrião. É necessária a produção de vários. Alguns deles são transferidos para o útero e outros sobram. Quando falamos de embriões para pesquisas no caso da lei mencionada, nos referimos a esses embriões excedentes no processo.

Eles certamente não serão usados e seu provável destino é o lixo. Discutir a origem da vida está além da matéria em questão. Se o assunto é religião, não seria honesto e coerente respeitarmos a tendência de cada um, no que tange a individualidade? Aqueles que se comovem tanto com embriões fora do útero têm a liberdade de nunca se submeterem a uma terapia com tais células. Têm eles o direito de impedir esse tipo de pesquisa no Brasil? E todos aqueles que sofrem de doenças dolorosas e incuráveis para quem as pesquisas representariam a única esperança de vida?

Seria justo se as testemunhas-de-jeová lutassem para que ninguém pudesse receber uma transfusão sanguínea? Portanto, excelentíssimos ministros, que seja uma decisão dedicada à vida humana.

Um abraço!

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