Mais que migas, friends

por Laura Castanho

Camaleoas da música, Letrux e Marina Lima se apresentam juntas em São Paulo e falam sobre essa amizade regada a uísque sour

Pense em uma cantora carioca que transpira autoconfiança e presença. Alguém cujas músicas contemplam a fossa e a festa, e às vezes as duas ao mesmo tempo. Uma mulher que trabalha a própria sexualidade sem se importar com rótulos e que prefere não se levar a sério demais.

Se você tem até trinta e poucos anos, provavelmente pensou em Letrux e em seu álbum solo de estreia, Em noite de climão, que investiga com humor e dor o turbilhão que é o término de um relacionamento. Se for um pouco mais velha, talvez tenha evocado Marina Lima — a veterana do pop cujos sucessos, espaçados em 21 discos, preenchem o imaginário oitentista e os cardápios de qualquer karaokê que se preze. As semelhanças não são à toa.

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“Considero a Letrux meio que minha filha musical”, diz Marina, ao telefone, sem esconder certo orgulho. “Se eu tivesse nascido agora, estaria fazendo o que ela faz, entende? Sinto que há uma linha evolutiva que tem a ver comigo e me identifico com aquilo." Letrux, nascida em 1982, cresceu escutando Marina.“Sempre fui muito fascinada pela figura dela. Para mim, existia a Madonna nos EUA e a Marina no Brasil. Eu as associava ao espírito moderno, meio sexual, feminista e forte.”

Aos 27 anos, quando atendia por Letícia Novaes, ela colou em um show de Marina pela primeira vez. Saiu de lá emocionada e fez o que os fãs faziam, em 2009: escreveu uma mensagem no MySpace da cantora. Marina retribuiu e ouviu algumas das músicas que Letícia compunha com seu então marido, Lucas Vasconcellos, no duo Letuce. Gostou.

Meses depois, as duas se encontraram no Marina Palace, hotel de frente para a praia do Leblon que já foi, inclusive, citado na canção “Virgem”, de Marina. Elas haviam sido convidadas por um amigo em comum, o documentarista e produtor Márcio Debellian, para gravar o piloto de um programa no qual um artista veterano se apresentava com um novato.

Conversa vai, conversa vem, começou a escurecer e Marina pediu um uísque sour. Por coincidência, esse é o drinque favorito de Letícia. “Falei que ali tinha um muito bom e ela ficou louca”, conta Marina, dando risada. O programa nunca chegou a ser gravado, mas a amizade que nasceu ali só cresceu. Desde então, elas colaboraram diversas vezes entre si. Letícia homenageou Marina em outro programa musical, o extinto “Som Brasil”, da TV Globo, e gravou um cover de “Acontecimentos” — hino da bad que Marina lançou em 1991 — no álbum de estreia do duo Letuce. 

Sentindo uma certa estagnação na sua cidade natal, Marina se mudou para São Paulo em 2010. “Na cena do Rio era tudo samba e caipirinha. E eu pensava 'porra! Será que é só isso que vai pintar?' Vi que o Rio não me permitiria arriscar.” 

Seis anos depois, quando se divorciou, Letícia também resolveu tentar a vida em São Paulo e foi Marina quem descolou um apê para ela ficar. “Mas ela não se adaptou, sentiu muito falta do Rio, da água salgada, não sei o quê”, explica a veterana. De volta à capital carioca,  Letrux está de companheiro novo. E quem serviu de cupido para o casal foi, de novo, Marina. "Estávamos fofocando em uma festa, o Thiago entrou e falei algo do tipo: 'Meu Deus, que gato'!. Aí a Marina, que o conhece desde criança, me apresentou", conta.

A proximidade produtiva das duas — semelhantes, mas únicas — ficou mais evidente no ano passado, quando ambas montaram novos projetos solo e participaram uma do processo da outra. Marina gravou a faixa"Puro disfarce" no disco de Letrux e escreveram juntas a música de protesto “Mãe gentil”, que marca o momento mais político da veterana, com o álbum “Novas famílias”. 

Apesar da junção de talentos ter gerado uma faixa que não convida a dançar, mas a protestar, as duas garantem que rolam de rir quando estão juntas. No caso de “Mãe gentil”, no entanto, o momento do Rio e do país pedia seriedade.“Dói ver a minha cidade assim, e dói na Letícia também”, diz Marina. “Temos isso em comum. A gente quer que o Brasil saia dessa farsa.” 

Nos últimos meses, as duas estão colhendo os frutos de seus respectivos sucessos. “Para mim, quando a Letrux bombou, foi um alívio. Pensei: ‘Agora tem alguma coisa acontecendo no Rio com a qual eu identifico. Não é só samba e caipirinha’”, conta Marina. “Ela conseguiu furar um bloqueio e me certificou novamente de que vale a pena apostar na autenticidade, nas diferenças.”

 “Acho que ela [Marina] soube fazer boas parcerias. Também tento trilhar por esse caminho, me juntar com pessoas que admiro”, diz Letrux. Nessa vibe, a cantora escolheu com bastante carinho o nome que vai “agregar valor” , como ela diz, ao seu próximo show em São Paulo: a própria Marina. “Tô numa fase Fullgás”, explica. Na quinta-feira (30), as duas lançam juntas o clipe de "Mãe gentil" e dividem o palco na Casa Natura Musical. Os ingressos pra ver esse match ao vivo se esgotaram há duas semanas, mas sempre dá pra tentar a sorte na porta, sem climão. 

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