A atriz não tem medo de entrar no debate sobre envelhecimento e chama a gente pra ir junto nessa aventura cheia de perdas, mas também de delícias
Andréa Beltrão está chamando pra ela um lugar de destaque no palco desse debate sobre envelhecer. Aos 58 anos, a atriz reinaugura belezas e firmezas. “O espelho mostra uma pele que vai se modificando, um olho que está diferente, uma testa mais franzida”, diz antes de contar que não fica vendo fotos antigas dela mesma, mas que, quando vê, entende o que é o colágeno. “Era bom com colágeno, mas é bom sem ele também. Às vezes vejo uma mulher na rua e falo: 'uau, tá lotada de colágeno. Tomara que ela viva bastante, tenha uma vida muito longa e feliz'. Essa é a negociação. É um perde e ganha e o barato é saber lidar com isso”. Andréa está sabendo lidar e, ao fazer isso, chama a gente pra ir junto nessa aventura cheia de perdas, mas também de delícias. A seguir, ela bate um papo com a jornalista Milly Lacombe.
Tpm. A virada para os 40 foi diferente da virada para os 50?
Andréa Beltrão. Na virada dos 40 eu estava embolada com a maternidade. Bem embolada porque adorei essa fase. Tive o primeiro aos 31, aos 33 o segundo e aos 36 o terceiro. Dos 40 para os 50 foi tranquilo, mas veio a menopausa e aí comecei a sentir as mudanças. Comecei a prestar atenção, a perceber.
As mudanças não são todas ruins, né? Não mesmo. Algumas são de fácil assimilação. A questão do hormônio é mais delicada. Tive os calores durante uns dois anos, mas não tive muito onde pegar repertório. Conversava com amigas, com minha mãe. Tive paciência. Não foi uma coisa ‘nossa, que triste’. Foi perceber que teria que ficar atenta, ter certos cuidados com os exames. Ter paciência com as mudanças.
Quais foram as sensações? Dormir e acordar muito suada. Às vezes ficava mais cansada.
O que mudou no autocuidado? Por causa da profissão, tenho que lidar com maquiagem, ficar mudando cor de cabelo, essas coisas. Então eu tenho cuidado em tirar a maquiagem, usar um bom hidratante, um shampoo indicado pela dermatologista. Só que muitas vezes a gente acha que o shampoo importado deve ser incrível e eu descobri que não, que às vezes o melhor shampoo custa 27 reais o tubão grande. Meus cuidados continuam sendo os de sempre: faço uma boa higiene da pele, hidratação etc, e tudo sem muita histeria. As coisas são como são, né? A gente não volta o tempo, o tempo está passando e não volta, então tem uma coisa de viver bem a vida como ela está se apresentando. A parte de morrer é mais chata. Uma vez encontrei com a Tônia Carrero no cabeleireiro, disse que ela estava linda e ela respondeu: "Ainda bem que estou envelhecendo porque a outra opção é muito pior'.
O que era ser velha antes e o que é ser velha hoje? As idades mudaram. O conceito de idade mudou. Um tempo atrás pensavam de uma mulher de 50, de 60: agora ela vai ter que se vestir de maneira discreta. Mas isso mudou radicalmente. Você pode ser quem você é. Pode ter o cabelo rosa choque, usar bota até o joelho, batom, sombra azul turquesa, depende de como você se sente. Isso é uma libertação. Pode ter cabelo branco, lindo. Hoje se tem a possibilidade de envelhecer com mais liberdade, sem ter que se adequar ou perder coisas. Por exemplo: tenho roupa que uso há muitos anos e ainda me sinto bem com elas. Estamos melhor com isso, e graças à fala e à atitude das mulheres. Ficou mais fácil envelhecer hoje. Tem sempre as coisas pessoais, tem limitações, mas ficou menos pesado.
Da onde você tira a construção do lugar do desejo, do erótico hoje? O lugar do desejo, do erótico, da sexualidade: tá tudo aí. Eu tiro essa consciência das mulheres que admiro e que estão perto de mim: Marieta Severo, Renata Sorrah. Sempre admirei as mulheres mais velhas. As mulheres mais velhas ativas, abusadas, destemidas. Fernanda Montenegro! O trabalho traz força. Fazer o que se gosta, se manter ativa.
Como você se mantém ativa? Eu tenho uma ligação grande com o esporte. Nadar no mar é fundamental pra mim. Eu tenho esses lugares ordinários, banais, de estar sozinha fazendo uma coisa simples, de me sentir forte, trabalhar a musculatura. O que quero é poder sentar e levantar sozinha o maior tempo possível. Autonomia. Quero manter a minha em primeiro lugar.
Ao olhar para frente você enxerga o quê? Uma vida que se mantêm interessante. Ainda há muito a fazer, sempre há o que fazer, sempre há o que dizer. Aprender sempre. Com os velhos, mas com os jovens também. Manter uma curiosidade verdadeira em relação as coisas. Isso não posso mais falar? Tá bem. Não falo mais. Vou aprender como falar. Estar disponível para essas mudanças todas que a gente tá vendo no mundo. Isso é muito importante. Cada um no seu passo.
Vamos supor que um dia, saindo da água depois de nadar no mar, você veja a Andréa de 20 anos sentada da areia. O que diria a ela? Continua nadando, minha filha. Toma seu solzinho da saúde, vai à praia, come seu biscoito Globo e toma seu mate. Se mistura.
E a libido hoje? Aos 20 anos a gente é um ser sexual pulsante. Tudo é 'uau'! Hoje me sentir bem e sexy não passa pela roupa, pela pele, pela maquiagem: é uma coisa mais simples. É a sensação de não precisar ganhar, de não precisar provar. Saber perder com simplicidade. O caminho é esse: vambora. Idade traz sabedoria, experiência, perdas, sofrimento. São muitas coisas.
Tem um truque? O verbo que eu adoro é 'estar'. Estar ali. Sem fingir, sem representar. Estar ali com os meus “não sei”. Não sei isso, queria saber mais, mas não dá pra saber tudo. Vou aprender. Curtir o que a vida dá, o que a vida tira. Não é sobre aceitar, é sobre negociar, entender, estar pronto. Não dá mais para pegar o stand up paddle e ir até as Ilhas Cagarras e voltar. Já fiz algumas vezes, mas hoje sei que talvez não dê mais. Negociar suavemente com o que vem.
O que acha de quem fala coisas como “mas você nem parece ter 58”? Digo: Então tá. Mas era pra parecer o quê? Qual o critério para parecer 58? O que faria eu me encaixar na foto do 58? É como se tivesse uma planilha que diz que com 50 é para estar assim, com 55 é assado... Onde tá essa planilha? E até a mulher de 60 que está de touca na cozinha de avental fazendo bolo para os netos à noite pode transar muito. Essa mulher existe. A gente tem muitas mulheres dentro da gente. A vovó que tá fazendo o bolo não é só a vovó. Quem disse que à noite ela não tem um gato na cama? Uma namorada? Um vibrador incrível? Não tá dando pra colocar ninguém dentro de caixinha nenhuma. Tem um pessoal que está assustado com as mudanças. E eles vão ficar ainda mais assustados. No começo da pandemia o Zeca Pagodinho disse uma coisa que eu adorei: quando isso passar, eles vão ver só uma coisa. Quem são eles e o que eles vão ver não interessa. Mas esse dia vai chegar. Eu adoro isso: eles vão ver só uma coisa.
Por que você acha que o vídeo em que você fala sobre envelhecer viralizou? Não sei dizer por que o vídeo viralizou. Não tenho mais rede social. Já tive, mas não tenho. Eu acho que viralizou porque tem a ver com essa explosão de caixinhas. Abre, me deixa sair. Teve a ver com a novela. A personagem representou muitas mulheres ali. Tinha uma leveza, vida, graça. Não era levado de um jeito sofrido, pesado. Era: não sei o que fazer, mas quero viver. É saber lidar com as nossas contradições de maneira mais livre. O vídeo não tinha uma coisa muito clara: foi uma fala jogada, uma provocação. Achei que funcionou bem. Muitos homens vieram falar. Muitos mesmo. Mulheres jovens, mais velhas, da minha idade...
As coisas estão mudando e, se der tudo certo, nossas filhas e netas vão envelhecer mais levemente do que a gente. Exato. Hoje você não escuta mais as pessoas dizendo: nossa, mas ela tá conservada. Conservada? Conservado é conserva. Não tem mais esse conceito. Vamos só ficar bem. O que faz você se sentir bem? O vídeo inaugurou um lugar de conversa muito legal, muito bacana.
Em que momento você lembra que está envelhecendo? Quando eu olho no espelho. O espelho mostra uma pele que vai se modificando, um olho que tá diferente, uma testa mais franzida... Eu não comparo com foto antiga, nem vejo muita. Mas quando vejo a gente entende esse tal de colágeno. Era tudo colado, né? Era bom com colágeno, mas é bom sem ele também. Às vezes vejo uma mulher na rua e falo: 'Uau, tá lotada de colágeno. Tomara que ela viva bastante, tenha uma vida muito longa e feliz'. Essa é a negociação. É um perde e ganha e o barato é saber lidar com isso.
Vamos voltar àquela situação hipotética: você sai da água e agora vê na areia a Andréa de 90 anos. O que gostaria de escutar dela? Foi maravilhoso. Foi tudo legal. Sem ressentimento e, se possível, sem arrependimentos. Tudo com muita liberdade. Queria que ela dissesse: fui muito livre. Saber me desculpar, aceitar desculpas, reconhecer que não sei, ser tolerante, paciente, saber ficar sozinha. Coisas muito pequenas, simples. As coisas grandes que a gente vive a gente não esquece, são fogos de artifício na vida, mas o que faz a gente ir e ir e ir são as coisas miúdas. São elas que dão sustentação.
O que te faz confiar na vida? Tem uma coisa de uma beleza muito grande que está acontecendo: uma rede feminina forte se formando. Não contra os homens, jamais, adoro os homens também. Mas tem uma rede feminina que está ficando muito forte, cada vez mais. Que fala as coisas, que se expõe com delicadeza, elegância, mas também de um jeito forte. Uma rede de proteção, de coragem, de dizer as coisas, de saber que não você não está sozinha. Acho isso lindo. Quando as coisas são belas e quando são duras e trágicas. É incrível ver as mulheres falando e chamando as outras. É um momento muito especial. É bonito demais ser mulher. Tem todas as conquistas que essas redes têm conseguido. Condições iguais em todas as instâncias. Na política, no trabalho, na atitude, em lugares de liderança. Isso é demais de bom. É maravilhoso. Várias jovens vão viver isso de outra maneira. A gente tá vendo uma revolução acontecer. Em relação a isso, racismo, homofobia. Não na velocidade que a gente gostaria, mas o mundo anda um pouco mais lentamente do que a gente deseja. Mas as placas estão se movendo. Eles vão ver só uma coisa!
Créditos
Imagem principal: Lucas Seixas/Folhapress