A mala só de quem volta

por Tania Menai
Tpm #120

Apesar da saudade, após morar fora, há coisas difíceis de aceitar na volta ao Brasil

Tenho um amigo chamado Théo, ele tem 5 anos. Filho de cariocas, nasceu em Montreal, o Canadá. Todos os anos eles fogem do inverno para curtir algumas semanas de verão com a família. Este ano, andando pelo Leblon, Théo viu uma lata de lixo transbordando. Ele largou a mão da mãe e foi imediatamente catar a sujeira do chão. E não era pouca. O menino nunca tinha visto aquilo, sabia que estava errado e – não só isso – foi corrigir. Esse é o olhar que os brasileiros que moram fora têm do Brasil. E é difícil se acostumar com o que não está certo. Lixo no chão? Não. Atraso? Não. Desrespeito ao pedestre? Jamais.

A imprensa brasileira tem pipocado reportagens sobre o que os acadêmicos chamam de “a síndrome do regresso”. Trata-se da fase de readaptação que uma pessoa que morou no exterior, ou em outra cidade, passa ao retornar para a terra natal. Que felicidade saber que alguém se propôs a estudar esse fenômeno. Afinal, muitos brasileiros estão de volta ao Brasil depois de viverem aqui nos EUA, na Europa, no Japão, na Austrália e em outros cantos do globo.

Esses estudos acadêmicos apontaram que aquele que volta com novos hábitos é visto como “arrogante” por quem nunca saiu. Os amigos e familiares que ficaram no Brasil não entendem por que o sujeito que voltou não tolera mais alguém que fala que vai aparecer e não aparece, carros que avançam sinal ou serviços de TV a cabo que nunca funcionam. Para quem absorveu culturas em que ter palavra é uma questão de honra, o tal “jeitinho” passa a ser visto como um jeito infantil de tratar assuntos sérios.

Cultura importada
Garanto: não é arrogância. É falta de conformismo. E isso é muito bom. Talvez quem volta tenha a missão de trazer para o Brasil aspectos positivos de outra cultura. No caso dos EUA: a falta de cartórios (eles não servem para nada e o Brasil ainda não descobriu isso), a obrigação de responder a e-mails em prazos razoáveis, a pontualidade, os trens entre as cidades, um metrô até o aeroporto e o simples fato de poder postar uma carta na caixa de correio da rua e saber que ela vai chegar ao destinatário. O Brasil está bombando, mas pode bombar ainda mais. Some isso a beijos, abraços, brigadeiros e uma boa moqueca – quando esse dia chegar, não vai ter para ninguém.

Tania Menai é jornalista, mora em Manhattan há 15 anos e é autora do livro Nova York do Oiapoque ao Chuí, do blog Só em Nova York, no site da Tpm, e também do site www.taniamenai.com

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