por Pitty

’Minha mente se expandiu quando descobri o conceito de sororidade’

Fui descobrindo e aprendendo a ser mulher aos poucos.

Me tornei adolescente em um meio majoritariamente masculino, e para sobreviver nele minha estratégia, inconsciente, era me camuflar. Nunca fui necessariamente delicada e não era difícil pra mim assumir um vestuário e postura mais masculinos; era confortável e cabia na minha essência despojada, de rua. Eu queria ser como eles, e só depois de quase trinta anos e muita elaboração finalmente entendi que não queria de fato ser homem. Queria o que os homens tinham e o que eu presenciava dia a dia fazendo parte daquela turma. Eu queria liberdade.

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O caimento dessa ficha virou uma chave na minha cabeça, definitiva. Naquela época, percebi que era machista sem ter a menor noção disso e do que a palavra significava. Eu reproduzia frases dos homens, me achava diferente e superior porque eu sim andava entre eles e eles me respeitavam. Julgava as outras mulheres, suas roupas e atitudes como se eu estivesse acima dessa opressão.

Com o tempo, veio a consciência: mesmo sendo privilegiada, eu não estou acima dessa opressão, nenhuma de nós está. Sou branca, cisgênero [é a pessoa que se reconhece como pertencendo ao gênero que nasceu], em posição de liderança e independência na minha carreira. Se eu ainda passo por essas coisas, imagina as negras, pobres, trans, gays?

Mesmo hoje tendo condição de estar mais protegida do que outras e viver entre homens maravilhosos e sensíveis, no fim do dia eu ainda sou mulher. Especialmente quando ando no mundão. Me forço a sair da bolha, exercito empatia com as que vivem em outros contextos, e me lembro de mim adolescente nas ruas de Salvador tendo que me preocupar seriamente com que roupa eu vestiria para pegar ônibus e ir pro trabalho, para evitar ouvir coisas nojentas de estranhos, chefes etc. Isso continua acontecendo com muitas, todos os dias, quando não pior.

Minha mente se expandiu quando me dei conta dessas coisas todas e quando descobri o conceito de sororidade. Quando finalmente entendi que todas somos uma, e que se uma não está protegida, nenhuma está. Uma das partes mais importantes disso é permitir que outras mulheres façam suas escolhas, mesmo que eu não concorde com elas. É empoderar a outra. Como mulher eu só tenho que permitir que elas possam ser o que quiserem, porque eu quero poder também.

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