O salão de beleza que não faz alisamento, e mesmo assim tem fila na porta
Enquanto 66% dos brasileiros têm cabelos crespos, 99% dos salões de beleza fazem alisamentos. Na contramão das estatísticas, o Beleza Natural, mais que um cabeleireiro, se tornou uma espécie de movimento de resistência. Especialista em cachos, atende 60 mil clientes por mês – e passa longe da chapinha
Até os 16 anos, Letícia tentava passar despercebida. Sempre de cabelo preso, ouvia das primas: “Você é feinha”. Ia levando, como na música do Tim Maia: “Na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri”. Mas, no ano em que Letícia nasceu, a empregada doméstica Heloísa Helena, a Zica, se descabelava em busca de solução para o mesmo drama, que acometia, além dela, seus 12 irmãos, pai, mãe e vizinhos da comunidade de Doutor Catrambi, subúrbio do Rio de Janeiro.
Em 2000, os destinos das duas se cruzaram. Letícia, hoje com 24 anos, já havia testado tudo que o mercado oferecia quando foi conhecer o instituto que havia mudado a vida de uma amiga. Não que acreditasse que aquilo funcionaria. Era desespero mesmo.
Não estamos falando de nenhuma igreja nem tratamento milagroso. Apenas do salão de cabeleireiro Beleza Natural, fundado por Zica em 1993, com o objetivo de realçar os cachos de seus clientes – maioria inclusa nos 66% dos brasileiros que têm cabelos crespos*. Lá, é proibida a entrada de alisantes, na contramão não apenas da maioria das casas especializadas, mas também do que vemos na TV, em revistas e até em conselhos de amigas: “Ai, por que não faz uma escova definitiva?”. Para dar uma ideia da ousadia de Zica, 95% das clientes do Jacques Janine, maior rede da América do Sul, com 60 lojas, vai atrás de algum tipo de alisamento. Mesmo assim, ela não se abala. “Vai contra nossos princípios”, decreta do alto de seus 48 anos e centenas de cachos.
O boicote à chapinha é apenas a porta de entrada do salão, que parece a fantástica fábrica de... cachos, misturada com a linha de produção do McDonald’s. Tem até uma área para crianças, decorada com imagens da Ziquinha, uma espécie de versão feminina do Ronald, o McDonald.
Mas quando Zica misturou substâncias químicas usadas na composição de alisantes, à procura de uma fórmula que desse jeito em seu cabelo “pixaim”, nem imaginava se tornar empresária. Hoje, ela comanda 800 funcionários em oito unidades no Rio, encarregados de satifazer 60 mil clientes por mês (o Jacques Janine atende 120 mil e o Soho, 40 mil). Uma filial do salão de Zica recebeu mil pessoas num dia (no Soho, uma funcionária afirma atenderem, no máximo, 250).
Ela resolveu fabricar o próprio produto depois de uns tantos cursos de cabeleireira que fez, na esperança de descobrir como deixar seus cachos balançarem. Convenceu representantes de marcas de cremes para cabelo crespo – que iam aos cursos na esperança de vendê-los – a lhe fornecerem amostras das matérias-primas dos produtos. A partir de então, fez diversas combinações, até que um dia, dez anos depois, uma vizinha elogiou seu cabelo. “Nunca tinha ouvido nada parecido”, confessa.
Cachos em série
Mas antes chamou um químico para desvendar a poção mágica. “Foram tantas misturas, que eu não sabia o que tinha feito”, diz ela, hoje no comando de sua própria fábrica. Essa primeira mistura de Zica com alguns avanços agora chama Super-relaxante e é o carro-chefe de uma das dez maiores empresas brasileiras do ramo (em número de filiais e de clientes por mês). Do subúrbio à zona sul do Rio (a loja mais nova foi aberta em Ipanema em 2008), o salão é cada vez mais aprovado por mulheres classe média, de cabelos ondulados, encaracolados ou encarapinhados. Entre elas, a própria Letícia, que cursa uma faculdade particular. “Toda minha família tem cabelo liso, só eu fui premiada”, brinca.
Para se tornar empresária, Zica apostou o único bem da família no seu talento: vendeu o Fusca do marido, motorista de táxi aposentado. Em seguida, juntou-se ao irmão Rogério, 39, e a Leila, 34, noiva dele, que se conheceram quando trabalhavam no McDonald’s e toparam mudar o destino das economias reservadas ao casamento para investir na ideia de Zica. Assim, inauguraram a primeira unidade do Beleza Natural, na Tijuca, zona norte do Rio. Mas nem imaginavam que a experiência na lanchonete ajudaria a criar a linha de produção do salão.
A técnica em enfermagem Priscila, 26, sacou um quê de fast-food no Beleza Natural assim que recebeu uma senha. Ao contrário da maioria dos cabeleireiros, onde o recomendado é marcar hora, no salão de Zica você até tem essa opção – se desembolsar R$ 20 a mais –, mas as clientes geralmente ficam na fila, que pode ir parar na calçada. “Já teve quem chegou às três da manhã, mas o tempo médio entre fila e atendimento é de uma hora”, garante a empresária. Enquanto espera, a maioria das clientes não comenta a vida alheia nem folheia revista de fofoca. Comum lá é contar o quanto são mais felizes desde que ficaram em paz com seus cachos.
Desfilar cabelo liso naqueles mil metros quadrados de área é sentir-se uma ET. Mas, para as que têm caracóis nos cabelos, há praticamente um universo paralelo, onde tudo tem seu lugar e método. A primeira parada é na triagem, onde uma profissional faz o diagnóstico dos fios. “Me falaram que eu teria que tirar toda a química que já tinha passado. Ou seja, tinha que deixar só dois dedos de cabelo”, lembra Priscila. Quatro anos depois do corte, seus cachos passam dos ombros.
Depois da triagem, a cliente vai para uma sala onde dividem seu cabelo em 14 partes (nem mais nem menos). Dali é encaminhada para a aplicação do produto, em seguida para o lavatório e por aí vai. Uma linha de produção. “Isso agiliza o atendimento”, explica Leila, que administra a empresa, com MBA no currículo.
A ideia da arquitetura veio da Disneylândia. “Lá, a pessoa pega a fila, vai no brinquedo e sai numa lojinha”, confirma a jornalista Márcia, 31, cliente e analista de comunicação do salão. “Aqui, a pessoa entra na fila, faz o tratamento e, na saída, compra xampus, condicionadores e cremes”, conclui. A repórter nota embalagens estampadas com a personagem infantil Ziquinha, que ilustra também a ala das crianças: uma reprodução minimizada do salão, cheia de imagens da mascote. Há ainda um espaço para homens.
O tratamento com o Super-relaxante custa cerca de R$ 100, e paga-se na entrada, como no McDonald’s. “Nunca vi uma cliente insatisfeita”, garante Zica. Muitas mulheres contaram à Tpm que choraram de emoção ao ver os cachos no espelho e que passaram a “ser alguém” depois do acolhimento que receberam ali. “Me senti respeitada”, declara Márcia. “Na adolescência, eu andava na escola e os meninos cantavam ‘I just call to say I love you...’ por causa do Stevie Wonder, que tinha rastafári”, diverte-se ela, com o cabelo no queixo, cortado em camadas. Foi também ao conhecer o Beleza Natural que Letícia tirou o elástico. “Aos 9 anos, uma professora me falou: ‘Prende essa juba!’”, diz. Existem até caravanas de diversas cidades para levar a mulherada ao salão de Zica. A de Volta Redonda não falha um mês, com direito a camiseta temática.
Os finais felizes explicam por que a crise econômica não abalou o salão. Segundo Leila, a perspectiva de crescimento para 2009 é de 35%. Mas Zica garante que não ficou milionária, pois continua investindo na empresa. Em maio, deve ser inaugurada uma filial no município carioca de São Gonçalo, no fim do ano em Salvador, Bahia, e, em 2010, na capital paulista. “Mas comprei uma casa para meus pais”, conta Zica.
Há dois anos, ela e os três sócios integram o conselho da empresa, deixando a direção com outro profissional. Isso lhe dá liberdade para organizar seus dias. “Quando eu era doméstica deixava meus filhos sozinhos”, lamenta. Agora, Jeferson, 32, Claudinéia, 27, e Jair Junior, 23, não dispensam a mãe para ajeitar os cachos herdados.
Há tanto interesse na empresa, que, segundo Leila, quase todo dia ligam investidores animados com sua marca. “Mas por enquanto não vendemos”, diz ela.
Vinte e cinco anos depois de misturar os primeiros “pozinhos”, Zica está satisfeita com a mudança de rumo da sua história – e de tantas outras, como na continuação daquela mesma música do Tim Maia: “Quem sofre sempre tem que procurar, pelo menos vir a achar, razão para viver”.
Vai lá: www.belezanatural.com.br
* Dado da ABIHPEC (Associação Brasileira de Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos), de 2007
Tpm +
A diretora de arte Elizabeth Slameck testou o produto de Zica em seus cachos loiros e conta o resultado:
Testado e aprovado
A convite da Tpm, a diretora Beth Slamek liberou seus cachos para um test drive do produto de Zica – e entendeu por que a fórmula está fazendo tanto sucesso
Por Luiza Karam
Se soubessem falar, os caracóis da diretora de arte Beth Slamek teriam muita história pra contar. Supercacheada, ela sempre investiu uma dinheirama em antifrizz, xampus e condicionadores específicos para tratar as madeixas. “No Brasil, não se encontram produtos de alta qualidade para cabelos com cachos. O jeito é ceder aos altos preços dos importados”, desabafa. Foi pensando em casos como o de Beth – que são muito mais comuns do que imaginam as donas de cabelos lisos – que a Tpm sugeriu a ela um test drive de duas semanas com o xampu e o condicionador do salão Beleza Natural. A designer testou e os cachos aprovaram.
Tpm. Você sentiu seu cabelo diferente, durante o uso dos produtos?
Beth Slamek. Sim. Meu cabelo ficou muito mais hidratado, e os cachos, mais bem definidos. O xampu é de altíssimo nível, bem hidratante, e, para cabelos enrolados, essa propriedade é essencial.
Substitui os importados?
Com certeza! A qualidade dos produtos da Zica é comparável à de produtos do exterior que costumo usar.
Em vez de usar tantos produtos – e tão caros –, não seria mais fácil se render a uma escova definitiva ou alisamento?
Quando adolescente, eu queria ter cabelo liso. Hoje, estou super de bem com meus cachos e até acho esquisito quando faço escova – o que raramente acontece. Sem o volumão, não sou eu mesma! É claro que acabo gastando demais... Acho que o mercado brasileiro está perdendo uma grande oportunidade de criar melhores produtos para cabelos enrolados, assim como fez a Zica. Essa mulher é muito esperta!
Virou adepta do xampu e do condicionador do Beleza Natural, então?
Virei fã e quero continuar usando. Aliás, gostaria mesmo de saber como faço para comprar aqui em São Paulo...
Vai lá: respondendo à Beth e às outras interessadas na “poção mágica” de Zica, os produtos do Beleza Natural podem ser encomendados pelo SAC da empresa (0800-7044446)