por Luiz Filipe Tavares

Músico fala de disco novo do Seletores de Frequência, Gilberto Gil e a tão aguardada volta do Planet Hemp

Na última terça (16), BNegão subiu ao palco do Cine Jóia, em São Paulo, ao lado de um supertime de músicos comandados pelo trompetista Guizado. A ocasião especial era a festa de "esquenta" para o prêmio Trip Transformadores de 2012, que prestou uma justa homenagem aos 70 anos de Gilberto Gil, um dos compositores mais influentes e transformadores de toda a música brasileira. O vocalista dividiu os holofotes com uma banda estrelada que ainda contava com Jorge du Peixe (Nação Zumbi), Maria Alcina, Thalma de Freitas, Karina Buhr, Chuck Hipolitho e Otto.

Antes do show, BNegão falou com a Trip sobre a importância de Gilberto Gil na produção cultural brasileira. Além disso, encontrou tempo para falar sobre o novo disco de sua banda, o Seletores de Frequência, que lançou no fim de agosto Sintoniza Lá, já muito elogiado por público e crítica.

BNegão também falou sobre a volta do Planet Hemp, um dos acontecimentos musicais do ano no Brasil. Feliz com a volta aos palcos da banda patriarca da chamada Hemp Family, BNegão comentou a sensação de estar de volta em ação com o grupo e como fez as pazes e superou anos de treta com o também vocalista do Planet, Marcelo D2.

Como a obra de Gilberto Gil te influenciou?
Eu acredito que o Gil não tenha influenciado diretamente a minha música, mas ele é um cara que tem uma enorme trajetória e que eu respeito muito. Me identifico com ele graças a questões mais filosóficas, que vão muito além da parte musical. São essas coisas que eu considero e que eu respeito pra caramba nele. Acho muito importante essa questão de misturar o espiritual e o musical, que é uma coisa que eu também faço na minha música. A própria “Andar com Fé” eu escolhi cantar aqui por causa disso: não por ter conexão com a minha música mas por ter a ver com coisas que eu acredito. Andar com fé é fundamental pra se virar no planeta [risos].

O que mais me impressiona na figura do Gil é a questão do caráter. Ninguém não gosta dele. Eu nunca ouvi ninguém chegar e falar: “pô, tô puto com o Gil”...
[rindo] Exatamente. E para isso acontecer é preciso que você seja uma figura admirável.

"Toco musicalmente o som que eu gosto e liricamente penso no que é importante de ser falado e no que pode transformar alguma coisa"

Você e ele dividem varias opiniões políticas também, certo?
Exatamente. Até na questão da flexibilização do direito autoral. Estamos no mesmo lugar em relação a isso. Qualquer reportagem sobre isso de uns tempos atrás tinha dois personagens clássicos: eu e ele [gargalhadas]. Nós dois escrevemos posfácios para o livro do Professor José Hermógenes, da Hatha Yoga, que chegou a ganhar o prêmio Transformadores. Eu considero ele meu mestre encarnado no planeta. A gente anda pelos mesmos lugares, filosoficamente falando.

Como você se sente dividindo o palco com essa galera e de quebra homenageando um dos grandes nomes da música brasileira?
Essa galera é a minha galera. A gente se conhece há 15 anos e daí pra mais. Me sinto mais do que em casa aqui. De todo mundo que subiu no palco hoje, o único que eu não conhecia ainda era o Bem Gil, que conheci hoje e que é um cara muito maneiro. Aqui tá tudo em casa. O Otto não preciso nem falar né? [ao ouvir isso, o cantor pernambucano quase pulou no colo de BNegão. Empolgado, ele exibe o coturno novo e diz: “se liga na botina do menino”, arrancando gargalhadas no camarim]. Eu estava na banda que fez o primeiro show solo do Otto, muito antes de sair o primeiro disco. O Guizado eu conheço desde quando a gente tocou com a Dona Zica. Então é todo mundo das antigas.

O que a música tem de mais transformador para você?
Eu acredito que a música é importante, mas não é nem oito e nem oitenta. A música não é a coisa mais transformadora do mundo, mas não dá para dizer que ela não transforma nada. A música tem uma área de ação, isso sim. Eu mesmo venho disso. Minha ligação inicial foi com o punk rock e com o rap. Ela veio dessa ação. E a música que eu faço hoje, faço por isso. Toco musicalmente o som que eu gosto e liricamente penso no que é importante de ser falado e no que pode transformar alguma coisa.

Como essa música de ação entrou na sua vida?
Quando eu decidi fazer música, foi para fazer música de mudança. Fui muito influenciado pelo punk de São Paulo, com Inocentes, Cólera, Ratos de Porão e Garotos Podres, mas também pelo rap de Thaíde & DJ Hum e Racionais. E esse é o som que me move e sempre me moveu. Public Enemy, Dead Kennedys e tal...

E é curioso como o rap e o punk, que vêm de matrizes tão diferentes, conseguem andar tanto de mãos dadas...
Totalmente. Isso é minha mola propulsora. Depois de muito tempo, a partir de 2000, eu comecei a receber os feedbacks da galera que, de alguma forma, foi tocado ou se transformou através da minha música. Recebi carta de nego que estava na prisão e que ficava cantando uma letra minha para poder aguentar a detenção e não ficar maluco. De nego que trabalha com criança e adolescentes e usa as músicas no projeto, de nego que dá aula de faculdade e usa as músicas, enfim. Isso me deixa muito feliz. Isso se reflete no que eu faço hoje com o Seletores, que é uma banda que sempre se preocupou em ser ativa.

 

"Minha história com o Marcelo D2 é muito louca. A gente passou por vários anos de treta (...) Mas é muito louca a química que rola entre nós no palco, apesar de todas as brigas que aconteceram"

 

Falando nisso, o disco novo dos Seletores chegou sendo muito bem recebido pela crítica. Você ficou feliz com a recepção do disco?
Pô, fiquei felizão. O disco está indo bem tanto de crítica quanto de público. Esgotamos ingressos em vários lugares já. Nós levamos fé no nosso som e estamos satisfeitos com a parada chegando para cada vez mais gente.

Como é voltar a dividir o palco com os velhos amigos no Planet Hemp?
O show no Circo Voador foi insano. É uma viagem poder voltar a tocar com eles. A música do Planet tem uma força diferente. É uma parada muito urgente. E pra mim, várias daquelas letras já estão defasadas, tem muita coisa que foi superada pelo meu pensamento de hoje. Claro que não vamos mudar as letras, afinal elas foram feitas desse jeito e os fãs querem mais é cantar elas assim. Mas é maravilhoso. É uma energia clássica. Pensei que nem ia ser assim, mas no primeiro show eu agitei pra caralho. A música e a energia ali me fez pirar. To gordo, velho, cansado e dei vários pulos no show [gargalhadas]. Foi ensurdecedor. É divertido demais e tem uma força diferente lá.

O Planet Hemp era visto como uma espécie de Black Flag brasileiro, no sentido de ser perseguido pela polícia e rodeado de confusões. Mas pouca gente fala dos instrumentistas da banda, que são músicos excelentes...
[interrompendo] Cara, isso é verdade. E é meio injusto com os caras. O Rafael é um dos top 5 melhores guitarristas do Brasil. Eu fico até emocionado de ver o cara tocando. Sou muito fã dele e de como ele toca guitarra. O Formigão é meu irmão, praticamente. Conheço ele desde 1987, anos antes do Planet Hemp pensar em existir. Ele e o Skunk eram meus maiores irmãos na banda. O Pedrinho, que entrou no lugar do Bacalhau, eu vi crescer. Ele toca comigo desde que ele tem 13 anos de idade. O Bacalhau também. Ele não está nessa volta, mas também é meu irmão e eu ainda toco direto com ele em shows do Autoramas.

E o Marcelo D2?
Minha história com o Marcelo é muito louca. A gente passou por vários anos de treta. Passamos muito tempo tretados de verdade. Hoje em dia a gente está tranquilo. Mas é muito louca a química que rola entre nós no palco, apesar de todas as brigas que aconteceram. Essa é a maior doidera pra mim. Foi espantoso. Em tese a gente teria que ensaiar e relembrar, mas eu só precisei ouvir ele cantar um verso pra lembrar a letra inteira de todas as músicas. Foi uma parada mágica. 

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