#SomosTodosTaisAraujo
No fim de 2015, quando foi vítima de comentários racistas na internet, Taís Araújo, 37 anos, recebeu várias mensagens de amigos preocupados com o que ela estava sentindo, imaginando que estivesse acabada. A todos, respondia: “Gente, esse é o nosso dia a dia”. Na ocasião, ela publicou um texto em suas páginas oficiais, prestou queixa e esperou que a Justiça cuidasse dos agressores. “A imprensa me assediava querendo declarações, mas eu neguei. Não vou ser pautada pelos intolerantes, não vou aparecer em página policial de jornal”, diz. “Página policial é para quem cometeu a injúria. A minha página é a de cultura.”
Taís é gigantesca: mulher que não se acanhou quando a vida ofereceu a ela o papel de ser porta-voz da nova negritude brasileira, que se orgulha de sua origem, de sua história, de sua estética e que não aceita nada menos do que o amplo e total pertencimento. “O maior castigo para os racistas é o negro bem-sucedido. Então é hora de contarmos a história verdadeira desse povo, que é linda, e aparecer”, diz a atriz, que cresceu escutando dizerem que o Brasil era um país sem preconceito. Estudando em colégios tradicionais do Rio, e sendo a única negra na classe, demorou para entender que não era bem assim – embora já notasse que os negros ali dentro trabalhavam limpando o chão e não estavam ao seu lado na sala de aula.
O lugar que a gente quiser
“Sempre namorei negros, até porque brancos não me queriam. E os negros que eu namorava tinham uma realidade diferente da minha, eles vinham das comunidades e me traziam histórias de humilhação que eu até ali não conhecia, mas que entendia que eram também minhas”, conta Taís. “Quando saí da bolha e vi o Brasil real entendi que não estava preparada para ele.” Uma vez mergulhada em realidade ela não teve mais como escapar da batalha que até então havia sido educada para ignorar. “Minha mãe dizia que ignorar era o melhor caminho, mas eu percebi que não era bem assim e que ela estava apenas reagindo à forma como as gerações passadas foram doutrinadas.”
Conhecedora da força de histórias bem contadas, Taís batalha para que a dos negros seja narrada da forma correta. “Até aqui nos contaram uma história que tem como objetivo enfraquecer, fragilizar, tirar nossa identidade. Chega. Vamos mudar a narrativa, e a gente vai fazer isso contestando, questionando, se apropriando de nossa cultura, de nossa estética, de nossa música, da nossa arte, da nossa espiritualidade”, afirma. “A tentativa de fazer nos sentirmos menores, menos capazes e feios foi bem-sucedida por cinco séculos, é verdade, mas está começando a acabar. A geração mais nova vem mais segura do que a minha, que já foi mais segura do que a de minha mãe. Ninguém vai tirar onda com essa galera.”
Taís lembra, comovida, que ela e Lázaro Ramos, seu marido e com quem tem dois filhos pequenos, andam pelo jardim e são abordados por pessoas que dizem: “Nossa, como vocês são lindos”. Mas diz também que, outro dia, um amigo negro estava em São Paulo esperando o carro ser trazido pelo manobrista quando uma senhora parou a seu lado para dizer que ele lembrava muito o ladrão que havia assaltado um prédio ali perto. “É um tipo de racismo que aparece quando o negro disputa o mesmo lugar do branco. É o olhar que Lázaro e eu recebemos ao entrar em restaurantes caros”, diz. “O recado é: você não pertence a este lugar aqui. O Lázaro diz uma coisa que é bacana: ‘Nosso lugar é onde a gente quiser estar’.”
Para Taís, a melhor maneira de mudar algo é alcançar o coração das pessoas. “É preciso fazer com que todos se sensibilizem, e para isso a melhor coisa é colocar o outro em seu lugar”, diz a atriz, disposta a seguir contando com sua arte a verdadeira história do negro. “Histórias injustas me causam mal-estar físico, não tem como eu escapar desse papel. Ele me foi dado e eu aceitei com orgulho porque nossa vida ainda é um sobressalto. Não tem negro que respire tranquilamente neste país.” Então Taís só vai parar quando todo negro souber que pode sair pelas ruas de nariz erguido e orgulhoso de sua identidade.