por Henrique Goldman
Trip #193

Hernique Goldman: ”No futuro, manteremos relações sexuais com parceiros existentes só nos computadores”

Recentemente assisti a uma conferência do cientista, inventor e futurólogo Ray Kurzweil, um cinquentão inteligente e carismático que na metade dos anos 80 soube prever a explosão globalizante da internet - entre tantos outros acertos na mosca. Com o otimismo e a fé na humanidade que só um americano ainda consegue ter, ele viaja pelo mundo explicando que o progresso tecnológico, assim como a evolução natural das espécies, cresce exponencialmente. E estamos vivendo um momento de explosão tecnológica comparável ao que foi, na evolução das espécies, o período cambriano, quando há cerca de 580 milhões de anos as espécies se diversificaram de forma muito mais acelerada do que antes ou depois. Esse neocambrianismo tecnológico nos levará, num futuro bem próximo, a transcender nossa dimensão biológica. Para Kurzweil não importa a crise de recursos naturais, a imbecilidade dos fundamentalismos religiosos, a proliferação de armas nucleares ou o aquecimento global. O progresso nos salvará da hecatombe causada por si próprio.

Eis uma pequena lista de previsões de Kurzweil para o ano 2020:

  • Com US$ 1 mil se poderá comprar um computador com potência superior ao cérebro humano.
  • Acesso à internet poderá ser feito diretamente de um microcomputador implantado no cérebro.
  • Com sensores que estimulam órgãos sexuais, a haptic technology nos consentirá manter relações sexuais sensorialmente completas com parceiros simulados, existentes só na memória de computadores.
  • Será possível estabelecer um profundo e afetuoso relacionamento de amizade com computadores.

Alguns desses progressos fazem sentir medo. Não é novo ou original o temor de que as criaturas (máquinas ou computadores) se rebelem contra os criadores (nós) e passem a nos controlar. Esse medo já inspirou muitas fantasias, como o mito judaico do Golem, Frankenstein, Metrópolis, de Fritz Lang e o Hall, de 2001: uma odisseia no espaço - entre tantos outros. O dado novo é a dolorosa consciência a respeito dos limitados recursos naturais que nos mantêm vivos no planeta Terra. Vibra no ar a nítida sensação de que estamos perdendo o jogo, no fim do segundo tempo, numa final sem prorrogação.

Internet nos Sonhos

Ouvindo Kurzweil lembrei de um livro que li a respeito da tribo Senoi, da Malásia. Até muito recentemente, os senoi praticavam uma espécie de interpretação coletiva dos sonhos para guiar suas vidas. Os adultos se reuniam diariamente para discutir os sonhos que tiveram de noite para, através deles, resolver as questões comunitárias. Na primeira refeição do dia, as crianças eram encorajadas a contar seus sonhos para os pais e irmãos. Elas aprendiam a decifrar as mensagens oníricas para controlar sentimentos negativos, como o ódio ou o medo. Se, por exemplo, uma criança sonhasse com uma queda em uma montanha, ela era encorajada a amar o sonho. Na próxima vez que o mesmo sonho ocorresse, em vez de temer a queda, a criança deveria entender aonde a queda a estava levando. A internet dos senoi eram seus próprios sonhos. Segundo a pesquisa feita pelo antropólogo Kilton Stewart nos anos 40, os senoi viviam sem problemas psicológicos, sem crime nem violência.

Nós, cegos filhos das fés abraâmicas, acreditamos numa grande besteira: fomos expulsos de um paraíso para o qual queremos, desesperadamente, voltar. Obsessivamente procuramos, nas coisinhas que produzimos, a paz perdida, que já no começo de tudo estava disponível dentro de nós mesmos. Somos um cão que morde o próprio rabo. A ultrapotentes hard-drives cabe a nossa salvação. Espero que Kurzweil tenha razão.

*HENRIQUE GOLDMAN, 48, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles. Seu e-mail é hgoldman@trip.com.br

fechar