Você é o que você compra

por Tato Coutinho
Trip #215

Whole Foods mostra que é possível crescer e ganhar dinheiro com responsabilidade social

Há 30 anos os supermercados Whole Foods vem mostrando ao mundo que é possível inovar, crescer e ganhar muito dinheiro com responsabilidade social, engajamento ambiental e absoluto respeito a clientes, funcionários e fornecedores. Hoje, a rede de John Mackey é um dos mais conhecidos e vistosos símbolos do chamado capitalismo consciente e da ideia de que só há lucro verdadeiro se for para todos

O planeta não nos aguenta mais. Estudos apontam que desde o princípio da década de 1980 superamos em quase uma vez e meia a capacidade de renovação dos recursos naturais. A culpa é do sistema. Apesar de as soluções não serem claras nem muito abrangentes, há sempre o que fazer para desacreditar e retardar ao máximo a profecia de Marx de que o capitalismo se autodestruirá. John Mackey, fundador da rede de supermercados Whole Foods, vem nutrindo como antídoto há um bom tempo o autoproclamado Capitalismo Consciente, com resultados admiráveis até para os consumidores mais céticos. Mesmo sem abrir mão do lucro e de cobrar mais caro por produtos com o valor agregado da responsabilidade social e ambiental, sua organização é admirada em primeiro lugar pela cultura vertical do bem-estar – do animal abatido com clemência ao acionista capitalizado, passando por “colaboradores” tratados com respeito e clientes satisfeitos.

Estive na loja da Alton Road, em Miami Beach, a poucas quadras da permanente fila de espera por uma mesa no Joe’s Stone Crab e dos exclusivos condomínios de luxo da South Point Drive. Lá o consumidor pode testar a mensagem de Mackey na prática. No estacionamento, estão os SUVs de 3 ou 4 toneladas a inviabilizar uma melhor distribuição das vagas, mas também os carros mais modestos, que poluem igualmente a atmosfera, as bicicletas e os coletores gigantes para a reciclagem do lixo. O espaço é ecumênico. Os cupons de desconto colorem o chão da entrada como em qualquer outro supermercado, mas ao cruzar as portas de vidro a experiência de compra é outra.

Para os neófitos na oferta em larga escala de produtos orgânicos, a desorientação inicial que parece a mesma de qualquer outra grande loja – gôndolas altas demais, corredores compridos demais – em pouco tempo se agrava. O bem-estar subliminar de fazer parte de “um propósito maior” logo vai sendo substituído por um sentimento de incapacidade. Como diz o site da companhia, “insistir na mais alta qualidade [dos produtos] não limita de maneira alguma nossa oferta”. E ela é vasta e diversa. Mesmo os alimentos in natura, para não falar de marcas pouco conhecidas, não são imediatamente compreendidos em sua integralidade – em qualquer sentido da palavra. As tâmaras, por exemplo: a granel, estavam separadas em quatro ou cinco cestas diferentes, polpudas e suculentas. A diferenciá-las, a origem do produtor, o seu índice de hidratação, a maneira de conservá-las. Os pães, produzidos na loja ou não: a natureza dos grãos adicionais, se assados na lenha ou em fornos elétricos, a distância do produtor. Luvas de plástico encorajam a experimentação. Você pode escolher embalá-los em sacos de papel reciclado ou em folhas de celofane ou papel-manteiga. Na lata de sardinhas, descobrimos que os peixes foram pescados em mar aberto, não em fazendas marinhas. Na de molho de tomate, que eles são hidropônicos.
O hambúrguer de carne fresca tinha o seu preço associado a uma cor, indicando em que estágio o rebanho de procedência foi classificado na escala 5-Steps™, de avaliação do bem-estar animal, explicitando, entre outras coisas, se havia sido criado livremente ou com espaço bastante para “se movimentar ou esticar as pernas” em “ambiente enriquecido com elementos que encorajem seu comportamento natural” (como poleiros, no caso das galinhas, ou “mourões para se esfregar”, no caso do gado). O que levar?

Na ocasião em que visitei a loja da Alton Road, fomos fazer compras para uma semana em que pretendíamos cozinhar um pouco e comer em casa, já que nos hospedaríamos no apartamento vazio de amigos em South
Beach. Enquanto testava o meu inglês na seção de cervejas, coloridíssima com os rótulos incríveis das microcervejarias americanas, Maria, minha mulher, foi abduzida pela seção de cosméticos e produtos para o corpo. (Antes que nos acusem pelos hábitos de consumo sexistas pré-capitalistas, depois trocamos: eu atrás de um remedinho para dormir na mais vasta seção de produtos naturais, ela disposta a encontrar uma cerveja à altura de seu paladar.) Também ali, as marcas vendidas são avaliadas segundo o padrão Whole Foods de qualidade – o Whole Body. Assim como não há traços de antibióticos e hormônios de crescimento nos cortes do açougue, ali não há produto testado em animais. E haja leitura para entender os selos e as certificações próprias, já que “o governo americano não regula o segmento com a mesma rigidez dispensada ao setor de alimentos”, como a companhia afirma em seu site.

Ao final, nosso carrinho tinha uma fantástica seleção de cervejas e chás, pães, frios, salsichas, bifes e hambúrgueres, patas de caranguejos pré-cozidas de fazer inveja à fila do Joe’s Stone Crab, tâmaras e seletas de castanhas, pastas de dentes sem sódio e suplementos com propriedades relaxantes e restauradoras, hidratantes e bloqueadores solares. A infinidade de selos e certificações de todos os tipos, sem falar nos rótulos e embalagens com bom design, como a demonstrar que o Capitalismo Consciente também deve nutrir um projeto estético, tudo isso nos custou pelo menos duas horas de, digamos, engajamento e cerca de US$ 300. Ainda que não tenha encontrado dados a respeito, certamente a experiência de compra no Whole Foods exige um índice de leitura e envolvimento no processo de seleção muito mais elevado se comparado ao de uma loja não comprometida com “um propósito maior”. Em média, o consumidor consciente não só gasta mais dinheiro em suas compras como também mais tempo. Mas podemos arriscar que, além de satisfeito com a qualidade dos produtos em si, sai também genericamente mais culto e bem informado ao fazer parte de uma cadeia de produção social e ambientalmente responsável. A conferir.


Dados do Whole Foods:

Os 6 itens da “declaração de interdependência” do Whole Foods:

1 - Vendemos os produtos naturais e orgânicos da mais alta qualidade disponíveis
2 - Satisfazemos e deliciamos nossos clientes
3 - Investimos na excelência e felicidade da nossa equipe
4 - Criamos valor por meio do lucro e do crescimento
5 - Apoiamos as comunidades e encorajamos o envolvimento local
6 - Promovemos o cuidado com os recursos naturais

  • Se vivêssemos como americanos, precisaríamos de cinco planetas Terra
  • Se vivêssemos como europeus, precisaríamos de três planetas
  • 3.49% foi a margem de lucro do Whole Foods em 2011. Isso significa que, para cada dólar recebido, 3,49 centavos ficaram para a empresa. Para uma rede de supermercados, é expressivo. O Wal Mart, ficou em 3,03% no mesmo período, enquanto o Safeway chegou em 1,59%.

Os números do Whole Foods:

  • 331 lojas
  • US$ 9 bilhões de receita em 2010
  • 58.300 empregados
  • 13 anos na lista das “Melhores empresas para se trabalhar” da revista Fortune
  • 30 anos como líder no varejo de produtos naturais e orgânicos nos EUA

 

Dez datas para lembrar

1978: Aos 25 anos, John Mackey e sua namorada abrem o Safer-Way, um mercadinho de comida natural em Austin, Texas.

1980: Com dois novos sócios, Mackey abre a primeira loja do Whole Foods, em Austin, Texas, com 1.160 metros quadrados.

1981: A maior enchente em 70 anos destruiu a matriz do Whole Foods. Voluntariamente, clientes, fornecedores e investidores ajudam a limpar e reformar a loja, que reabre 28 dias depois.

1984: Mackey abre as primeiras lojas fora de Austin, em Houston e Dallas.

1992: Whole Foods entra na Nasdaq.

1999: A centésima loja é aberta, em Torrance, Califórnia.

2003: John Mackey é eleito o empreendedor do ano pela Ernst & Young.

2005: Whole Foods entra pela primeira vez na Fortune 500, lista das maiores empresas americanas, e se torna a 55ª maior empresa de varejo nos EUA.

2007: Whole Foods abre a primeira loja no Reino Unido.

2009: Na véspera de Natal, o gerente de uma nova unidade em New Jersey decide liberar os clientes de pagar pelas compras depois de problema no sistema dos caixas.

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