por Nathalia Zaccaro

Vincent Moon e Priscilla Telmon filmaram mais de 60 rituais espirituais e transformaram as imagens em documentário, performance e conexão metafísica

 Em Híbridos, documentário longa-metragem dos franceses Vincent Moon e Priscilla Telmon, imagens de dezenas de cultos espirituais brasileiros se sucedem em uma experiência que vai se revelando um transe cinematográfico. Os sons e cores de um ritual indígena no Mato Grosso se misturam às rezas de procissões católicas no Pará e às músicas dos festejos do bumba-meu-boi no Maranhão, sem que nunca uma linha narrativa se imponha ao sensorial.

“Não queríamos uma voz que explicasse as cerimônias, queremos que as pessoas se atentem para a música sagrada. As palavras não são necessárias”, conta Priscilla. O filme estreou na última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e volta às telas no início do ano que vem em circuito aberto.

Bem antes de mergulhar no universo espiritual brasileiro, Vincent Moon já era conhecido por aqui por seus sensíveis vídeos musicais estrelados por gente como Elza Soares, Ney Matogrosso e Metá Metá, por exemplo. Intimista e surpreendente, o trabalho de Moon revela um pouco dos caminhos que o levaram ao Híbridos.

“Quando ia a shows na França e via uma pessoa no palco, mais alta que eu, produzindo alguma coisa que eu deveria só receber, aquilo não me interessava. Eu cresci em um lugar muito baseado na cultura do espetáculo. Quis quebrar isso, filmar música na rua, a troca entre as pessoas, a forma como se relacionam através da arte. Esse raciocínio me levou naturalmente ao interesse pela música sagrada e como ela é usada como possibilidade de contato com os espíritos”, explica Moon.

A enorme variedade de cultos, cantos e crenças do Brasil atraiu a paixão de Moon e Priscilla que passaram dois anos pesquisando e participando de cerimônias em todos os cantos do país. “Quis entender porque precisamos ritualizar, nos conectar com o invisível. Isso está muito esquecido na Europa”. 

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A casa de João de Deus em Goiás, um centro espírita no Acre, o Círio de Nazaré no Pará, festa para Iemanjá em Salvador, um quilombo em Pernambuco, os índios do Xingu. Foram mais de 60 diárias de gravação, sem equipe. Com uma câmera na mão ele captava as imagens, e ela o som. “Optamos sempre por equipamentos pequenos, respeitando a energia de cada ritual, fazendo parte dele. Nosso jeito de filmar é com envolvimento, não é só registrar, é estar ali integralmente”, conta Moon.

A curadoria dos cultos que participaram do filme foi bastante baseada nos sons e músicas de cada cerimônia , mas revela também um esforço da dupla em ser abrangente em suas escolhas.  “Os últimos que filmamos foram os evangélicos. Não temos nenhuma ligação com a religião e existe uma visão crítica nossa sobre como algumas igrejas agem no Brasil, mas, como artistas, acreditamos que nosso papel é criar pontes, tentar entender, aproximar”, conta. “O mundo não é preto no branco, queremos achar vias de comunicação subterrâneas”.

Já com os rituais xamânicos de plantas de poder, como a ayahuasca, por exemplo, a dupla tinha certa intimidade. “Em alguns momentos tivemos que tomar pouco do chá, porque estar sob efeito da planta e filmar ao mesmo tempo pode ser difícil, mas os espíritos ajudam nessa hora”, conta Moon. No fim do processo das gravações, a relação de Priscilla e Vincent com suas próprias espiritualidades foi naturalmente afetada. “Foi um caminho imenso, uma escola sobre os mistérios do mundo”, diz Priscilla.

As conclusões dos franceses pós a jornada do Híbridos não renderam apenas o documentário. O material está disponível também na internet, na íntegra, divido por correntes espirituais ou questões geográficas e sempre acompanhado de textos de antropólogos especializados em cada cerimônia. “No site está o lado mais educativo do projeto, para quem quer entender e celebrar a diversidade brasileira”, conta Priscilla.

A possibilidade de explorar a imensidão da internet para aprofundar as discussões do filme despertou em Vincent novas reflexões sobre cinema e espiritualidade. “A gente quebra os paradigmas desse cinema muito fabricado, o digital é uma renovação total. Tudo livre, de graça, sem padrões. É libertação, uma nova consciência. Essa falta de limite, falta de matéria, é quase espiritual, transcendental”, explica.

Além do website, o Híbridos se desdobra também em uma performance ao vivo, em que Vincent e Priscilla criam seu próprio ritual espiritual. Ele remixa as imagens do filme, o transformando em outros, enquanto ela canta e toca instrumentos xâmanicos convidando a plateia a se conectar com a energia ali cultivada. A apresentação já rolou em outrubro no MASP, durante a Mostra de Cinema, e vai acontecer de novo em fevereiro no MoMa de Nova York. “Teremos novas datas no Brasil no começo do ano que vem e só na presença dessas pessoas o projeto se completa”, convida Vincent.

Vai lá: www.hibridos.cc  

Créditos

Imagem principal: Vincent Moon / Divulgação

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