A inspiração para esta edição foi consequência da mexida que se deu nos meses recentes
É sempre curioso ver como as coisas acontecem. A inspiração para dedicar esta edição da Trip ao sonho foi consequência da mexida radical que se deu por aqui nos meses recentes. Com gente nas ruas gritando aquilo que queriam ver acontecer em suas vidas e no país, restava, depois de assentada parte da poeira e de passado um certo período de empolgação, tentar entender o que afinal ficava como denominador comum entre tantos pleitos, faixas, palavras de ordem e frases jogadas no ar. Havia mesmo uma sensação de que sonhos acalentados por tanto tempo sairiam do éter e tomariam lugar em forma de atitudes novas, posturas descentralizadoras e menos discriminatórias, bom senso, revisões de leis, de metodologias, taxas, conceitos, meios de transporte toscos, e outras tantas mazelas, e burrices enraizadas no nosso chão.
Partimos decididos a estudar, como aliás fazemos há décadas, formas de pensar e de viver que soam mais humanas, razoáveis e inteligentes. Procuramos referências aqui e do outro lado do mundo, agora e no passado, lançando um olhar livre, encadeando pensamentos e ideias sem necessariamente cumprir uma lógica cartesiana, exatamente como acontece nos sonhos. Cientistas, gente que arriscou, malucos de todas as cepas (porque deles é o reino dos sonhos), artistas, ativistas… seja qual for o nome que se queira dar, fomos atrás de quem leva os sonhos a sério.
Durante o processo de pesquisa e elaboração da revista, algo que tinha escapado do nosso radar ganhou a tela do mundo. Cinquenta anos do seminal discurso de Martin Luther King que começava exatamente com o brado “I have a dream” e seguia sonhando com um lugar mais humano e menos estúpido para os americanos e para o planeta. Muitos dos que se propuseram a analisar a efeméride fizeram coro ao constatar que havia, na real, pouco a comemorar no sentido da realização do sonho de King. Poucas semanas depois, massacres com bombas e armas químicas no Oriente Médio deixavam crianças e adultos mortos, mutilados e queimados pelas ruas. Por aqui, numa cena patética e constrangedora, um parlamentar condenado e preso aparece de joelhos sobre o carpete do Congresso Nacional, prostrado com as mãos postas em agradecimento diante de seus pares, ao ver seu mandato inacreditavelmente preservado numa votação secreta digna de uma comédia macabra. Como precisamente manchetou o observador de comportamento José Simão, “Congresso! Nem aí pro gigante!”.
O neurocientista Sidarta Ribeiro revelou no evento de abertura do Prêmio Trip Transformadores que pesquisas sérias publicadas recentemente nas revistas científicas mais críveis do mundo apontam na direção de indícios importantes de que os sonhos carregariam, de fato, pequenos e desordenados flashes da memória do futuro. Ribeiro contou que era comum, em guerras do passado, soldados relatarem percepções colhidas em seus sonhos que os levavam a evitar certas situações e lugares que, mais tarde constatariam, eram mesmo armadilhas que os levariam à morte. O sonho seria capaz, portanto, de capturar sinais do que efetivamente se materializará no futuro. Seja por isso, por Jung ou por Tutatis, por aqui escolhemos apostar nos sonhos.
Paulo Lima, editor