Para algumas pessoas, ser bem-sucedido não significa apreciar prazeres da simples vida
Para algumas pessoas, ser bem-sucedido não significa apreciar prazeres simples como uma boa comédia francesa, e sim comprar um jato particular por J. R. Duran*
O mais recente fenômeno do cinema mundial é um filme francês chamado Bienvenue chez les Ch'tis, dirigido por um comediante, que também interpreta o papel principal, chamado Dany Boon. O que mais surpreende os entendidos, além do fato de ele ser francês, é que em uma semana o filme foi visto por não menos que 17,3 milhões de espectadores. E isso considerando que o filme foi visto apenas na França, na Suíça e na Bélgica, que juntas têm uma população pouco maior que 80 milhões de habitantes. O número faz de Bienvenue chez les Ch'tis o mais visto no mundo no mês de março. O que, me parece, não é brinquedo não.
O mesmo amigo que me revelou esse acontecimento midiático francês me contou também outra história. Ele me disse que estava em Londres em uma recepção recheada de pessoas absolutamente refinadas que circulavam pelos salões de uma casa entre brilhos de flashes dos fotógrafos e das jóias que as mulheres presentes exibiam. Era um coquetel para poucos. Em certo momento ele se aproximou de uma das rodas e a conversação era a respeito de viagens, férias e aviões privados. As lembranças de dias passados em lugares paradisíacos quicavam de um lado a outro até que o fio da conversa chegou a ele. Meu amigo disse que achava uma bobagem viajar em primeira classe, que era o tempo dormido mais caro da vida de um ser humano e que nunca se submeteria a isso. Foi quando ouviu de uma senhora absolutamente impecável e conservada bem longe da passagem do tempo (sem dúvida por causa de um monte de horas no spa e da ajuda de um exército de cirurgiões plásticos) a frase que ficou suspensa no ar: "We don't fly commercial" (ou seja: não viajamos em aviões comerciais). E durante o resto da noite ninguém mais falou com ele.
Se nos anos 70 foi inventada pelo colunismo social a expres-são "jet set", que agrupava ricos e preciosos que voavam de um lado a outro do continente, no começo deste século 21 isso não é suficiente. É preciso ter avião particular para pertencer a esse grupo de pessoas, que vive em um universo incestuoso e que aparentemente é considerado bem-sucedido.
SER E TER
Penso duas coisas. Uma delas é no filme francês. O de Dany Boon. É uma comédia sobre um carteiro que é mandado para um posto no norte da França, perto da fronteira belga. O apóstrofo do título é para reproduzir a maneira de falar do lugar, que arrasta as letras (Stevie Wonder, por exemplo, viraria Ch'tievie). Dezessete milhões de pessoas se divertiram e foram felizes por um par de horas assistindo ao filme. Dany Boon é considerado o ator mais bem pago do cinema francês. Especialmente porque nesse filme ele colocou uma cláusula no contrato em que exigia participação nos lucros. Não sei se alguma das pessoas que disseram ao meu amigo que não voavam em avião comercial assistirá ao filme. Talvez não tenham tempo para dar risada ou prefiram fazer isso de outra maneira.
Penso também que, se a sua vocação, meu caro leitor, é ganhar dinheiro, é bom ir se preparando. Porque nos tempos que se aproximam juntar alguma grana para ser considerado bem-sucedido não será suficiente. Será necessário ganhar muuuuuito dinheiro. E ter seu próprio avião.