Ser negro no Brasil é foda

por Redação
Trip #231

Entre o mito da democracia racial e a discriminação do dia-a-dia, o Brasil encara a vergonha do racismo

No Carnaval de 1948, e em todos os carnavais seguintes, os foliões engoliam confete enquanto cantavam mais um sucesso do Braguinha: “Branca é branca, preta é preta, mas a mulata é a tal!”. A palavra “mulata” ainda não era politicamente incorreta, e a marchinha fazia um requebrante elogio à mestiçagem.

A música celebrava uma ideia nova, a de que o Brasil era a única democracia racial do mundo. Um exemplo a ser seguido pelos países onde a mulata não era a tal – ao contrário, era branco para um lado e preto para o outro, sem meios-tons. Lugares como os Estados Unidos, onde Rosa Parks ainda se sentava nos assentos para negros no fundo do ônibus, ou a África do Sul, que naquele mesmíssimo 1948 tornava o apartheid uma política oficial de estado.

O mito do melting pot brasileiro ainda estava se consolidando. Havia apenas 15 anos que o so­ciólogo pernambucano Gilberto Freyre publicara Casa-Grande & Senzala – o principal marco de uma mudança radical no modo como o país encarava a si mesmo, com sua mistura de raças, mistura de cor.

Quase que de repente, lá estava a última nação do planeta a abolir a escravidão, aquela que até os anos 1920 insistia na supremacia ariana e convocava imigrantes europeus para embranquecer o povaréu, lá estava essa mesma nação sambando com dedinhos para o alto, em homenagem à miscigenação, resumida na figura da mulata.

Claro que essa virada não poderia ser tão simples assim – e continua não sendo. Com a palavra, a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz.

“De um lado, não há como negar a evidência de uma convivência, de fato, singular, e a existência de um projeto oficial de identidade pautado em modelos culturais mestiçados”, escreve ela no afiado ensaio Racismo no Brasil: Quando a inclusão combina com a exclusão. “De outro, essa mesma sociabilidade ímpar referenda uma divisão outrora naturalizada (e hoje culturalizada) que se refere a ‘aptidões’ e costumes. (...) Fica explícito, pela convenção, que a inclusão social se dá na música, no esporte e nas artes de maneira geral. Já em outros locais – no exercício da política, da ciência, no convívio social –, o suposto é que ‘cada um conhece o seu lugar’.”

Ou seja, o imaginário nacional adora ser mestiço, louvar a Mama África, repetir que negro é lindo e dar vivas ao gari Sorriso. Mas basta o Carnaval passar para se rasgar a fantasia da inclusão, e a exclusão botar as manguinhas de fora. Para o lixeiro voltar a ficar invisível e Claudia Silva Ferreira ser arrastada pelo carro de polícia. Para Amarildo desaparecer e o ator de pele escura ser preso por ter pele escura. Para se tentar empurrar 51% da população brasileira de volta ao que seria seu “devido lugar”.

Ser negro no Brasil é foda.

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