A onda de 1,5 mil reais de Kelly Slater

por Pedro Carvalho

Pegar uma onda perfeita no Surf Ranch de Kelly Slater pode custar até 1,5 mil reais

Em outubro de 2018, clientes VIP da Nivana Surf Trips, uma agência de viagens de São Paulo, receberam e-mails com os primeiros pacotes comerciais para brasileiros surfarem na piscina de ondas de Kelly Slater, na Califórnia. O preço, ao contrário da água local, é salgado – bem salgado. Um fim de semana de ondas perfeitas no Surf Ranch sai por cerca de 6,5 mil dólares, pouco mais de 23 mil reais, valor que não inclui passagens ou hospedagem (a agência calcula que mais 300 dólares seriam gastos em hotel), só a entrada e as refeições do dia, mesmo.

A experiência, é verdade, tem o apelo da exclusividade. Um grupo de apenas 18 surfistas dividiria a piscina entre as 9h e as 18h, no sábado e no domingo. Mas fica a dúvida: não está caro demais? Vamos à matemática. A piscina produz uma onda a cada quatro minutos. Assim, cada cliente terá direito a 15 ondas no fim de semana. Eles também podem disputar a “rabeira” de uma onda, se outro surfista cair no início dela. Mas, consideradas apenas as 15 ondas “certas”, cada uma sairia por 420 dólares, ou 1,5 mil reais. Sim: 1,5 mil reais por onda. Se você tiver as habilidades de Filipe Toledo, que acertou 13 manobras sem cair no Surf Ranch, cada batida ou cutback terá custado 120 reais.

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A agência reservou três fins de semana na piscina e mandou a oferta para a elite de sua clientela no início de outubro. No final daquele mês, duas dessas datas estavam esgotadas e a terceira (20 e 21 de abril) tinha seis lugares disponíveis. “Para o primeiro grupo, que viajou em outubro, teve tanta procura que faltou lugar na viagem”, afirmou à Trip um vendedor.

A Surf Travel Co., principal concorrente da Nivana, afirma que também teve acesso aos pacotes, mas não se interessou por causa do alto preço. “Custa mais que uma viagem para Indonésia ou Ilhas Mentawai, onde o cliente pega muito mais ondas”, alfineta um vendedor da empresa.

O valor das entradas no Surf Ranch tinha sido assunto durante a Founder’s Cup, competição realizada ali em maio. A entrada mais barata para assistir a um dia de disputas custava 99 dólares. Mas o ingresso que dava direito a surfar por uma hora na piscina (além de várias outras amenidades), chamado “Surf Ranch Experience”, saía por 9,5 mil dólares mais 288 dólares de taxa de agendamento.

A questão dos preços será importante para os planos de expansão global dessas piscinas de onda (não apenas a de Kelly Slater), o que inclui o Brasil. No momento, acontece uma espécie de corrida tecnológica do setor, liderada pelo Surf Ranch e pela europeia WaveGarden, pioneira na tecnologia do hydrofoil, usado também na piscina de Kelly. As duas empresas planejam construir unidades nas principais cidades do mundo. Quando isso vai acontecer? Parece ser apenas questão de se encontrar uma equação financeira adequada, o que tem relação direta com o valor do ingresso.

“Vamos construir uma nova piscina na Flórida e estamos planejando outras em Tóquio [para possível uso na Olimpíada], na Austrália e no Brasil. E estamos olhando para a França, também. Acho que, no futuro, vai haver muitas piscinas dessas pelo mundo”, disse Sophie Goldschmidt, presidente da WSL (que organiza o circuito mundial e adquiriu o Surf Ranch em 2016), em entrevista à Trip durante a etapa brasileira do circuito, em maio.

Na ocasião, devido aos preços da Founder’s Cup, perguntamos como a comunidade brasileira usaria a piscina. “Ainda não determinamos o modelo, mas vai ser uma instalação multiuso. Acho que uma parte importante será o treinamento para o surf de alto desempenho. Também vemos a oportunidade de fazer algo parecido com um country club [um clube de associados]. Sabemos que também é importante o uso para associações de surf e comunidades locais. Mas serão modelos diferentes em cada país, dependendo do mercado local”, disse a executiva.

Enquanto isso, a concorrente Wavegarden tem duas piscinas em atividade comercial (no Texas e no País de Gales) e anuncia planos para montar uma rede com vinte unidades. Uma delas está em obras (em Melbourne, Austrália) e a outra acaba de receber sinal verde para ser construída, em Londres.

A estratégia da Wavegarden parece ser a de ocupar territórios antes da concorrência. De fato, é difícil imaginar que uma mesma cidade poderá suportar mais de uma piscina comercialmente viável, de modo que a corrida entre as empresas está deflagrada – e o preço dos ingressos será um componente desse jogo.

O valor dessas entradas também será importante para uma questão mais subjetiva, mas que talvez seja a principal razão para se surfar: a alegria, a descontração, a paz de espírito trazida pelo ato de se pegar uma onda. Afinal, um dos principais apelos dessas piscinas é a ideia de tranquilidade. O ambiente controlado oferece a certeza de que as ondas estarão boas, de que serão divididas de forma organizada e até de segurança, em comparação com os riscos inerentes ao mar. Tudo parece conduzir a uma experiência de sonhos para os surfistas. Mas, se ao final da onda você pensar que acabou de torrar 1,5 mil reais, isso pode quebrar um pouco o clima, não?

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