Tirando o perigo pra dançar

por Paulo Lima
Trip #282

”A vida e a condição humana talvez não sejam muito mais do que a habilidade de entender e hierarquizar os milhares de perigos e o risco de altíssimo grau que o fato de existirmos envolve”

Pra quem nos acompanha mais de perto, falar sobre riscos e perigos pode parecer redundante. A própria existência da Trip, num país como o nosso, pressupõe um grau de risco muito acima do razoável. Tente se lembrar ou imaginar, caso você tenha nascido depois de 1986, um cenário em que o país apenas ensaiava passos minimamente mais firmes na direção oposta à sombra da ditadura e vislumbrava, ainda a distância, um horizonte um pouco mais solar, mesmo que bastante precário de democracia. Uma economia repetidamente estuprada por lideranças equivocadas e por interesses inconfessáveis. Somado a isso, um mundo onde a tecnologia apenas engatinhava, ter um telefone sem fio era um desejo difícil de realizar e um aparelho de fax pertencia ao mundo dos sonhos e dos filmes de ficção. Um mercado de comunicação controlado por duas ou três empresas e todo construído e modelado para servi-las. No campo editorial, uma única companhia dominando cerca de 70% das atividades do setor. Vivos e fortes 33 anos depois, acho que reunimos credenciais suficientes para afirmar a tese de que a vida e a condição humana talvez não sejam muito mais do que a habilidade de entender e hierarquizar os milhares de perigos e o risco de altíssimo grau que o fato de existirmos envolve.

LEIA TAMBÉM: A elite brasileira tem jeito?

As ideias de estabilidade, segurança e independência não passam de idealizações infantis de algo que não guarda nenhuma relação com a realidade precária de nossas jornadas. Assim, resta tentar lidar com o risco com a sabedoria e a graça do surfista que, ciente de suas enormes limitações diante de uma força descomunal como a natureza em forma líquida e dinâmica, logo entende que não se trata de desafiar o mar e sim de tirá-lo para dançar, transformando sua força implacável e letal em pista para empreender movimentos leves e belos, que se adaptam e se moldam a ele. Um jogo que pressupõe tomar a forma daquilo que, aos olhos dos outros, parecem perigos inadministráveis e transformar tudo em melodia e num bailado harmônico e sedutor.

Esta edição da Trip traz dezenas de interpretações e de vivências de pessoas que de alguma forma souberam e sabem tirar o perigo para um pas de deux encantador, cheio de tensão, beleza e sabedoria.

fechar