por Dafne Sampaio

Para quem sofre de onfalofobia, o medo aflitivo de umbigos, qualquer cotonete, dedo, beijo, pedra de gelo, ou língua pode ser um pesadelo

Uma das imagens mais icônicas criadas pelo fetichismo cinematográfico é a do cubo de gelo dando voltas ao redor do umbigo, um filete de água escorrendo para dentro dele e, por isso, uma mulher mordendo os lábios de prazer. Mas o que é sexy pra uns é motivo de agonia extrema, quase horror, para quem sofre de onfalofobia, o medo aflitivo de umbigos (onfalo é umbigo em grego, e fobia é fobia em qualquer lugar).

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“A primeira recordação que tenho de mal-estar é minha mãe brincando comigo, tinha uns 2 anos. Ela fazia cócegas lá e eu chorava porque doía. Reconheci assim a existência do umbigo e que ele dói”, conta a arquiteta Bia Lins, de Curitiba. “Ainda hoje é como se fosse uma ferida em recuperação.” Outras conexões com a mãe, o nascimento ou a primeira infância, também são feitas por Daiana de Souza. “Minha mãe sempre ficou intrigada com essa sensação ruim, de agonia, que tenho. Porque veio já na minha infância. Nada me tira da cabeça que é lance do começo de tudo, lá do meu nascimento, da hora do parto ou de dias depois”, diz a jornalista de Campo Bom, região metropolitana de Porto Alegre.

Mas como, exatamente, tal medo se manifesta? A analista de pesquisa de mercado Carolina Toledo, de São Paulo, explica um pouco mais: “A minha aflição não é uma coisa de olhar, foi sempre de tocar ou ser tocada. Dá uma sensação de enjoo, vontade de vomitar. É como se eu ficasse muito vulnerável, sabe? Parece uma invasão, dá sensação de fragilidade”. Clara Souza também se sente vulnerável. “Tenho há muito tempo, não lembro quando começou. Sinto uma coisa terrível quando alguém toca no meu umbigo. Não é cócega, não é tesão. É uma sensação de invasão, chega a me dar falta de ar”, recorda a fotógrafa mineira, que mora e trabalha em Salvador.

Já com Danilo Moura, a questão é mais externa. “Tenho problemas com umbigos para fora. É horrível, me dá agonia, uma sensação estranha. É como se algo estivesse fora do lugar, mas de um jeito grotesco. Sinto o meu antebraço repuxando, os pelos ficam eriçados, uma aflição. Não é nada bom”, diz o assistente de importação de Diadema.

Não existem dados, estudos ou estimativas sobre onfalofóbicos no Brasil, e muito menos especialistas ou grupos de apoio. É cada um por si, e cada um sem saber da existência de outros. “Quem sofre de onfalofobia acha que é mais uma aflição, o que sugere um nível de ansiedade menor, do que uma fobia. Mas ela é, verdadeiramente, uma fobia, afinal essas pessoas não conseguem fugir do medo”, explica a psicóloga comportamental Paula Bonilha, que já tratou uma podofobia [medo dos pés], mas ainda não se deparou com fóbicos de umbigo. 
“Como estão em contato com os umbigos diariamente acabam desenvolvendo recursos cognitivos pra lidar com aquela situação. Não é paralisante, e talvez por isso não apareça em consultório.”

Será coincidência que as quatro mulheres onfalofóbicas ouvidas para esta reportagem tenham questões com o próprio umbigo e justamente o único homem tenha com o dos outros? “Mulheres geralmente têm mais fobias físicas. Primeiro porque, numa sociedade machista, é menos permitido ao homem sentir medo. Mas acima de tudo tem a questão da relação da mulher com seu próprio corpo, do tabu de certas partes, da maior ou menor exposição das mesmas, de pudor”, opina a psicóloga.

“Sinto uma coisa terrível quando alguém toca no meu umbigo. Não é cócega, não é tesão. É uma sensação de invasão, chega a me dar falta de ar”

Mas, para quem vive isso íntima e solitariamente durante tantos anos, tal questão 
de gênero é a menos importante. Daiana teve uma época de pesadelos recorrentes com alguém afundando o dedo em seu umbigo. Faz tempo que não os tem. Bia só dorme de bruços. Quando vira de barriga pra cima cobre o umbigo com as mãos e sempre evita dormir de lado. Danilo busca não olhar pessoas na praia ou piscina para não ser surpreendido por “umbigos pra fora”. Clara tem horror aos umbigos estufados das grávidas, mas precisa encará-los na pós-­produção dos retratos que tira.

A gravidez, aliás, é uma grande questão para as onfalofóbicas. Clara não quer ter filhos, e Bia, que nunca passou por uma gravidez, acredita que teria problemas ao mexer no umbigo de um bebê. Daiana não conseguia limpar o umbigo de sua recém-nascida e o marido é que dava conta da tarefa. Hoje, um ano depois, ela consegue, mesmo com alguma agonia. “O que pra mim é uma conquista 
e tanto”, comemora. Daiana encarou seu medo, anos atrás, de outra forma. “Resolvi colocar piercing pra tentar boicotar esse troço chato. Foi horrível. O negócio inflamou e minha própria pele expeliu o adorno. Até hoje tenho uma cicatriz ali”, conta.

Carolina, que está grávida, não quer nem pensar no próprio umbigo nos próximos meses e também passou para o marido a responsabilidade de limpar o da futura filha nas primeiras semanas. E complementa: “Tenho aflição também com cordão umbilical. É como se a qualquer momento o bebê pudesse me puxar pelo cordão, dar um tranco e doer meu umbigo”. Mas mesmo com toda essa aflição, Carolina prometeu enfrentar todos os umbigos do mundo por sua Tereza.

Ninguém ouvido por esta reportagem cogitou buscar tratamento. Muito pelo contrário. 
Mas, se quiserem, onfalofóbicos podem buscar ajuda profissional. “A função da fobia é a de proteger o sujeito da aproximação do desejo e seu tratamento se dá, na psicanálise, pela via da transferência”, explica Arnaldo Dominguez de Oliveira, psicanalista e fundador da Associação Etcétera e Tal. “Como a questão da fobia é muito colada no real, para que haja alguma eficácia simbólica, exige-se do analista um ato. E a maioria dos analistas sofre de ‘horror’ do ato.”

Já a terapia comportamental não possui essa aversão “ao ato” para o tratamento de fobias. “A gente ajuda o indivíduo a enfrentar aquela situação fóbica de uma forma gradativa e sistemática através de pensamentos cognitivos mais positivos. É uma técnica chamada dessensibilização sistemática. Medicação só é necessária se a fobia estiver acompanhada de algum quadro depressivo”, afirma Paula Bonilha.

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Sem nunca antes terem falado conscientemente sobre suas fobias, Bia, Carolina, Clara, Daiana e Danilo até acham interessante a ideia de terapia, mas acreditam, também, que não é pra tanto. Só o fato de terem verbalizado a um completo estranho e saberem que não estão a sós “nessa maluquice” serviu como substituto gratuito para qualquer tratamento – pelo menos, por ora. Também ajuda terem parceiros(as) compreensivos(as). O resto dá-se um jeito.

E, afinal de contas, se pudessem escolher entre ter ou não ter umbigo? O que seria? “Ter” foi a resposta unânime e enfática. “Mas preferiria um que não me desse tanto o que falar. Ou melhor: queria descobrir o porquê disso tudo pra poder fazer as pazes com o meu”, resumiu uma Daiana esperançosa de, finalmente, curar essa cicatriz.

Detalhes tão pequenos

Os umbigos nestas páginas foram clicados pelo francês Frédéric Fontenoy no começo da década de 2000. Os fotografados são amigos e amigas, homens, mulheres e crianças que estiveram em uma sessão organizada por ele – e cada imagem tem como título a data de nascimento dessas pessoas. “Alguns recusaram, argumentando que era muito íntimo”, Frédéric conta. “Para mim, foi muito simbólico pensar sobre a primeira cicatriz da nossa vida, um vestígio de uma ligação poderosa e ao mesmo tempo um sinal de nossa independência.” Segundo o fotógrafo, a série, chamada Détail, marca um momento importante na sua carreira: uma transição entre fotografar o próprio corpo nu e começar a trabalhar com modelos. 

Vai lá: fredericfontenoy.com

Créditos

Imagem principal: Frédéric Fontenoy

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