Para não dizer que não falei em amor
Cada qual pensa da forma que mais lhe satisfaz. Mesmo que eu possa ou não ter uma visão diversa, aqui tenho que falar dentro do contexto do mundo contemporâneo. Mesmo porque escrevo para pessoas que estão dentro da realidade atual. E, algumas das definições desse mundo é que nós somos seres limitados, finitos, instáveis e temporais. O amor é uma relação entre seres finitos; sujeitos tanto a êxitos quanto a fracassos; que oscilam entre períodos de maior ou menor estabilidade; submetidos a um tempo líquido e situados em um mundo flutuante; então o amor é também uma relação finita.
Mas se é uma relação finita, porque é que a pessoa querida não desaparece como se esperava? Fica na memória, entranhada nas lembranças, o calor, o cheiro, o jeito ("Detalhes" do Roberto)... Depois, não é bem assim como se tudo "acabasse" depois de um período de validade. A vida não é utilitarista para fazer seleção de nossos sentimentos. Ela é sempre vida que segue, como quer o poeta. Por mais alguns filósofos tentassem, a teoria darwiniana funcionou apenas nas espécies. Nós somos auto-conscientes e promovemos a seleção por meio da cultura. Embora nossos corpos ainda sigam, em parte, a seleção natural: nossos queixos estão sumindo porque mastigamos farelos; nossos pé diminuindo porque nosso chão é liso e pouco andamos. Nem na física se admite o fim de alguma coisa; tudo se transforma, ultrapassa o que foi para compor outra qualidade. E para a filosofia, nós somos um eterno vir-a-ser. O amor então transforma-se em lembrança fortemente emotiva. Uma vez trazida à consciência pode até nos fazer voltar no tempo e lamentar erros cometidos ou fechar os olhos e reviver, com prazer, tempos felizes. Outras pode nos fazer sentir aliviados por escaparmos de sofrimentos atrozes ou desastre eminente. Acaba sim, nada permanece do mesmo jeito até o fim. Permanece a experiência, fica o conhecimento de como é a intimidade do outro, de como nós somos e como reagimos sob determinadas pressões. Saímos sempre enriquecidos. Embora nem sempre saibamos reconhecer e até, por vezes, nos sintamos destruídos. Os relacionamentos posteriores dependerão do que os amores anteriores nos ensinaram. Os nossos sentimentos são matéria prima com a qual construímos nossa vida. Sua radical transitoriedade produz dor, calor, sofrimentos e as mais poderosas delícias. Além, é claro, do imenso prazer de viver assim, sempre surpresos com a vida. Ultrapassar, surpreender e ir além é coisa que só o homem é capaz. E esse é o milenar sonho humano.
Amor é também tensão, porque exige a presença de dois seres. Isso de metades que se compõem não existe, é poesia. Ninguém nos complementa; cada um de nós é inteiro em si. O amor é um tesouro fabuloso, desses que parecem mais com um milagre. É a existência mergulhada na ambiguidade, na dualidade e na radical diferença. O fim do amor, a sua ultrapassagem para algo diverso é processo dolorido porque se insere nas idéias de perda e posse. O medo à solidão é pavoroso e, no entanto, ela é a nossa maior aliada. Nos deixará a sós para pensar o vivido, descobrir motivos e entender os por quês. Talvez estejamos completamente errados; o fim do amor pode ser uma de suas características mais interessantes. O amor, para começar, pluraliza a existência. Amores existem que se transformam em amizades profundas. A compreensão que possuímos daquele ser que se vai, poucos seres no mundo têm, é uma fortuna que não pode ser desperdiçada. Sabemos seus motivos. Ninguém é absolutamente mal, há que haver alguma coisa de interessante e importante em cada um de nós. Às vezes pode estar tão recôndito que só com olhos de amor é possível atingir.
Embora finitos, mutáveis, temporais, ainda somos aqueles seres maravilhosos capazes de amor. Capazes da solidariedade, da abnegação, do sacrifício, da dor e também da infinita alegria. E, principalmente, de alcançar o bem maior da humanidade, aquilo que realmente importa: a satisfação de viver.
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Luiz Mendes
19/08/2014.