Boa Vontade
Abri o dia disposto a torná-lo diferente. Nada de angústias ou tristezas. O dia haveria de ser bom. Sorriria a todos. A pele das minhas palavras levaria minha alma amiga por dentro.
Há dez passos do portão de casa deparei-me com dois conhecidos. Leno, jovem que mora casas acima da minha, estava bêbado. Joaquim, seu irmão, tentava ajuda-lo a subir a rua de casa.
Com a maior boa vontade do mundo fui entrando embaixo do braço do vizinho para ajudar a levá-lo. Quem nunca tomou uns goles a mais, não é mesmo?
O sujeito era pesadão. Subimos a ladeira suando a camisa. Ele seguia a contragosto, dificultando nosso esforço. Queria voltar para beber mais. Não estava contente ainda. Os últimos passos foram sacrificados.
Inesperadamente, Leno escapou do irmão e se jogou em cima de mim com o soco armado. Só vi a sombra e senti o impacto. Não houve como defender. Aquilo explodiu em minha cara como uma bomba de sol. Iluminou tudo exageradamente e apagou de repente.
Quando dei por mim estava jogado no chão feito uma trouxa de roupa molhada. Atordoado, recobrava os sentidos. O sujeito havia acabado comigo. E desceu ladeira abaixo, tropeçando, caindo e rolando pelo chão.
Joaquim veio me socorrer. Eu não sabia se levantava ou deitava de uma vez. Havia sido nocauteado. Conhecia aquela sensação. Ajudou-me a levantar e foi comigo. No portão, mil desculpas e um pedido de compreensão para com o irmão.
Entrei e fui logo para o espelho. Algo anestesiava o rosto. Não sentia o lado direito da cara. Nossa! Meu rosto caíra. A maçã do rosto parecia amassada. Começou a pulsar e doer. Doía no osso. O olho estava fechado. O nariz sangrava. Minha camisa estava manchada. Dentro da boca aquele gosto adocicado de sangue.
Fervi água e fiz compressa no local. A dor cedia. Mas tudo foi inchando sem que eu percebesse. Quando olhei de novo no espelho, assustei. Minha cara estava enorme! A região em torno do olho estava preta. Já nem dava mais para abrir o olho. Joaquim, que entrara comigo, depois de ver o estrago, foi me conduzindo para fora novamente. Pediu que eu esperasse. Ia buscar o carro do irmão para me levar ao hospital.
No resumo da ópera, acabei tomando pontos dentro da boca, e tendo o olho tapado. O médico queria que eu consultasse um oftalmologista, podia ter afetado. A pancada fora tão forte, disse ele, que chegara a afundar a maçã do rosto. Tomei injeções, levei receita (Joaquim já foi providenciar) de remédios e o conselho de ficar em repouso. Fiquei cerca de cinco dias com a cara deste tamanho. O pior foi ter que explicar aos outros. As piadinhas eram difíceis de aguentar.
E saíra de casa com a maior boa vontade. As pessoas ficaram temendo vingança. Mas não estava nem com raiva do agressor. Eu, mais que ninguém, sabia que ele estava completamente dominado pelo álcool. Não era o Leno, pai da Camila, vizinho amigo de casa. Ele ia se preocupar no dia seguinte. Pedi para Joaquim tranquilizá-lo; eu não tomaria nenhuma atitude. E sorri quando percebi que continuava com a maior boa vontade. Estou finalmente civilizado. Pena que na base da porrada!
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Luiz Mendes
12/03/2012