O Conhecimento do Amor pelos Livros

por Luiz Alberto Mendes

 

O Amor e o Livro

 

Por conta de ter sido preso desde muito novo, fui aprender amor na prisão. Antes de ser preso, usava mulheres mesmo porque não tinha conhecimento do contrário. Meu pai usava, meus amigos usavam, meus parceiros de crime usavam. Mulher era objeto de uso. Aprendi e me desenvolvi usando mulheres.

Entendi que estava amando pelo tumulto avassalador que vivi em meu interior. Implosão de milhões de megatons. Não havia quem me explicasse. Aquela loucura estava me deixando febril, doente e obcecado. Então procurei meus amigos escritores. Érico Veríssimo estava mais acessível ao meu entendimento de então. Em “Clarissa”, depois em “Musica ao Longe”, o amor de Vasco e Clarissa me tranqüilizaram um pouco. Não era só eu que estava vivendo aquela coisa doida. Identifiquei-me.

Não poderia ser só tesão. Como não havia visita íntima há esse tempo, essa parte era abstraída pela impossibilidade. Amor era mais pressão. Parecia a mais extraordinária possibilidade de dividir tudo com alguém intimamente ligado à minha alegria, progresso e felicidade.

Foi nessa época que li “Le Petit Prince” de Saint-Exupery. “Foi o amor que desde a tua rosa que a fez tão importante para ti.” Essa foi a fórmula que considerei como passagem para o amor. O amor estava em mim, era meu, estava em minhas mãos. Ao oferecer o melhor de mim às pessoas, estaria construindo amor a elas dentro de mim. 

Depois conheci J. M. Simmel. Seus livros “Ainda resta uma esperança”; “Ninguém é uma ilha”; e “O amor é só uma palavra”, educaram meus sentimentos. Havia um pessimismo generoso e uma esperança fugidia, assim ingênua. Mas “A arte de amar” de Erich Fromm e sua célebre equação: “Amar porque precisamos do ser amado ou precisar do ser amado porque o amamos?”, vai definir a questão. Depois em “Medo à Liberdade” e “Analise do Homem” o pensador do Grupo de Frankfurt me fez entender porque amar o homem e o mundo.

Carl Rogers, com seu livro “Tornar-se Pessoa” me carregou de informações sobre mim mesmo com relação ao outro. E então cheguei à guloseima da festa. Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre. Já de cara me apaixonei por ambos e sou fiel até hoje.

Os livros “os Mandarins” e depois “A Convidada” de Simone, me esclareceram demais. Amor sem limites, sem considerações ou convenções. Amores reais, mais compatíveis com os limites e fraquezas da condição humana. O sonho do amor sem posses, sem donos, sem ciúmes e, portanto, sem dor. Amor livre de verdade que eu adorava sonhar, mas ainda não ser capaz de viver.

Sartre com sua trilogia “A Idade da Razão”; “Sursis” e “Com a Morte na Alma” me fizeram ver o amor como uma unidade mais ou menos equilibrada de opostos. A epopéia de Mathieu é emocional também, como na do “Ulisses” de James Joice. Romain Rolland é o príncipe do amor. Seus livros “Fragmentos de um Discurso Amoroso” e “Jean-Christopher” iluminam porque são estrelados pela visão de um poeta/filósofo de vigor extraordinário.

Rimbaud em “Iluminações” e “Uma temporada no inferno” leciona sobre um amor absolutamente original e de sabor inimitável. Sua vida foi um largo e curto poema de torrenciais paixões. Platão em “O Banquete” coloca o amor em questão, nos oferecendo reflexão profunda sobre o tema. Mas é em Hegel que o amor será melhor dissecado.

Para Hegel o amor é impulso do ser vivente em direção à sua unificação natural com o outro. “Somente no amor somos um com o objeto, sem que ele domine ou seja dominado”, diria o grande mestre alemão.

Mas o amor é também algo finito, instável, passageiro e às vezes parece até acidental. Nada é para sempre. O amor expõe a verdade sobre o homem: que ele é imprevisível, sensual, temporal, plural e capaz de todos os extremos. Nos tempos atuais tudo ficou complexo, relativo e fluente, até o amor.

Há o amor romântico: aquele belo, intenso e doloroso. E o amor dos tempos modernos: para além do bem e do mal, numa entrega total e absoluta que de repente pode cessar. “Amor inventado”, como diria Cazuza?

De tudo o que li, estudei e vivi ficou que o amor talvez seja o fenômeno que há de unir sentimento e razão; natureza e cultura; profano e sagrado; e não apenas o homem e a mulher, mas o humano a outro humano.

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Luiz Mendes

26/07/2011.       

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